sábado, 8 de maio de 2010

A pretexto do 9 de Maio de 1920: achegas para o ambiente em que se gerou a freguesia de Bustos

A maneira como cada comunidade se filia no seu próprio passado, numa procura activa e constante de recordações, ajuda a definir-lhe uma identidade própria e um sentimento de pertença que a distingue das demais. Por isso se saúda vivamente a iniciativa da Junta de Freguesia de Bustos ao resolver comemorar os 90 anos da sua existência.

É certo que só podemos recordar partes do que já passou. Mas isso não deixa de ser essencial para dar futuros ao passado. Às gerações actuais compete recuperar e se possível iluminar o que um dia aconteceu e foi digno de registo. E o que aconteceu em Bustos no dia 9 de Maio de 1920 foi simplesmente isto: a nomeação da primeira Junta de Freguesia, menos de três meses depois de se ter separado da Mamarrosa e se constituir como freguesia independente.

Não sabemos se o Dr. Duarte Novo, actual Presidente da edilidade, descende do cidadão Manuel da Silva Novo que integrava a histórica Junta presidida por Jacinto Simões dos Louros. A existirem esses laços de parentesco, o ritual comemorativo da efeméride assume até maior significado: ao honrar a memória dos cabouqueiros da freguesia, relembra e perpetua também um seu familiar provavelmente embrulhado em espesso e imerecido esquecimento. Aqueles que a Bustos legaram obra e lhe dedicaram o melhor do seu esforço e saber, bem merecem que os que hoje colhem os frutos desse acrisolado amor à terra-mãe os evoquem com a dignidade que merecem.

Tenho recolhido alguma informação sobre ambientes e episódios que antecederam a criação da freguesia de Bustos em 18 de Fevereiro de 1920. E ao verificar que os bustuenses de hoje sabem ser gratos e reconhecidos à memória do seus melhores e fiéis ao sangue que lhes corre nas veias, não resisto em partilhar com eles alguns desses episódios. Corro o risco, bem sei, de pouco ou nada acrescentar ao mosaico histórico-cultural que laboriosamente e com indesmentível competência Arsénio Mota e, num tempo mais recente, Sérgio Micaelo Ferreira e Belino Costa vêm construindo sobre a história de Bustos. Se uma ou outra migalha puder ser aproveitada, tanto melhor.

O ambiente pouco amistoso que se viveu a seguir à implantação da República um pouco por todo o concelho de Oliveira do Bairro e por maioria de razão entre as populações da Mamarrosa e de Bustos, é indesligável dos conflitos políticos que opuseram monárquicos e republicanos durante esse período conturbado da vida nacional. Às vezes todos contra os republicanos democráticos, após a cisão do Partido Republicano Português: não raras vezes republicanos conservadores – oriundos do partido evolucionista de António José de Almeida e do partido unionista de Brito Camacho, ou até dos intransigentes de Machado Santos, se aliaram aos monárquicos constitucionais, a que se colavam estrategicamente os monárquicos integralistas a partir de 1914. Essa guerra intestina de um contra todos deixaria marcas indeléveis nas relações que se estabeleciam entre as populações dos diferentes lugares e freguesias do concelho.

Muitos destes conflitos já vinham do tempo da Monarquia. Aquando das eleições paroquiais que se realizaram em Novembro de 1908 na Mamarrosa, os seguidores do visconde de Bustos terão alcançado “grande vitória”. Ali não concorreu qualquer lista republicana, mas estalaram as quezílias com os seguidores do conde de Águeda, que aproveitaram o ensejo para lembrar promessas não cumpridas ao povo da Quinta da Gala: uma estrada e uma fonte. Ao que parece as desavenças tinham a ver com o facto da lista apresentada pelo visconde ser integralmente constituída por pessoas de Bustos “em quem o povo da Mamarrosa não deposita confiança”. Por isso surgiu uma lista alternativa patrocinada pelo conde de Águeda, que à última hora resolveu não disputar a eleição (1).

Em 14 de Dezembro de 1913, na mesma data em que Anadia presta homenagem popular ao conselheiro José Luciano de Castro, decorrem novas eleições paroquiais. Por essa altura as juntas de paróquia viam os seus poderes reforçados, considerando-se entre as atribuições mais importantes a possibilidade do referendo de que dependiam várias deliberações das câmaras municipais.

No concelho de Oliveira do Bairro a oposição monárquico-evolucionista supunha ter ganho a câmara e com natural regozijo resolveu queimar muitas dúzias de foguetes. Manifestações “tolas e provocantes” – retorquiam os republicanos democráticos – que acabariam por ver confirmada uma vereação constituída só por elementos da sua cor política (2). Mas o triunfo da lista onde pontificavam, entre outros, Abílio de Oliveira Rocha e Jacinto Simões dos Louros seria efémero, já que em Abril de 1914, na sequência da contestação aos resultados eleitorais, tomava posse nova vereação dirigida por António Tavares de Araújo e Castro, em cumprimento de acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (3). O Supremo validara a eleição da “lista neutra” e o ressentimento dos derrotados era notório: acusaram o tribunal de parcialidade, já que “uma das partes conseguiu saber, algumas semanas antes de publicada a sua decisão, o sentido em que esta seria tomada” (4).

Na Junta de Paróquia da Mamarrosa os democráticos ficaram em minoria. Apesar da eleição decorrer sem incidentes – para os prevenir, conservou-se a pequena distância da assembleia uma força de infantaria – acabou por ser protestada por alegadas irregularidades atribuídas à lista vencedora. Esta era acusada de incluir um indivíduo que já havia estado preso por conspirar contra a República e outro que exercera o cargo de tesoureiro na anterior junta monárquica, salientando-se “pelas suas tremendas irregularidades e acintosas perseguições aos republicanos” (5).

O protesto não foi acolhido e a posse da nova vereação foi assinalada com rijos e provocatórios festejos, no dizer da imprensa republicana. Os talassas de Bustos e Mamarrosa vieram para a rua, “alguns de espingarda ao ombro, em provocantes manifestações”. Em Bustos tocou uma filarmónica e foram lançados pelo próprio Visconde “muitos aeróstatos azuis e brancos simbolizando as cores da bandeira monárquica contendo diatribes contra os republicanos”. A festança seria interrompida por volta da meia noite. Quando “o fogo de dinamite atroava os ares”, apareceu inesperadamente no local uma força de cavalaria 8 e logo os manifestantes se puseram em debandada, dando por findo o “talássico regabofe”. Ao que parece o governador civil tinha proibido as manifestações fora da sede do concelho, ordem essa desrespeitada pela “petulância dos monárquicos” (6). Dizia-se que os foguetes de dinamite eram “velhacamente lançados” para as habitações dos democráticos e que à porta destes tinham sido depositados molhos de vimes para lhes atar a beiça (7).

Em Oliveira do Bairro também houve incidentes. Os desacatos foram de tal ordem que a força armada teve de intervir, efectuando prisões e apreendendo armas. Na Mamarrosa, o abastado proprietário Manuel Gala foi importunado por elementos afectos à coligação monárquico-evolucionista: fizeram arruaças junto à casa, “provocando-o e hostilizando-o”, ao que parece pelo comezinho facto de ter aderido ao Partido Democrático (8). A população era alvo dos “maiores vandalismos”, atribuídos a desavenças políticas, que incluíam destruição de telhados, corte de cepas e oliveiras e até roupa danificada que se encontrava a secar no coradouro (9). Era grande o descontentamento no concelho, ao ponto da freguesia do Troviscal, fazendo eco duma velha aspiração, querer passar para o concelho de Anadia e a de Palhaça para o concelho de Aveiro, ao qual aliás já pertencera na segunda metade do século XIX.

Era este o ambiente que pairava no ar e se generalizara por todo o concelho: cortavam-se os fios de telégrafo entre Oliveira do Bairro e a Palhaça; degolavam-se videiras e devastavam-se searas; praticavam-se crimes de fogo posto e nem um busto da República que encimava o pedestal do chafariz da Mamarrosa resistiu à senha persecutória dos que agiam pela calada da noite, mutilando as tenras árvores que o circundavam e que tinham sido plantadas pelas crianças da escola no dia da Festa Nacional da Árvore (10).

Manuel dos Santos Pato falava em “estendal de misérias” perpetradas por “monarquetes estúpidos”, em crimes impunes e excessiva benevolência ou mesmo desleixo das autoridades. Acusava os “inimigos figadais” dos melhoramentos da Mamarrosa, que se melindravam com a festiva comemoração do 5 de Outubro, de terem assassinado a tiros de espingarda “o desventurado republicano Oliveira Ambrósio” e atentarem da forma mais covarde contra a vida dos democratas Augusto Simões dos Louros e João dos Santos Pato (11).

Tais actos seriam obra dos monárquicos, acobertados ”à sombra da bandeira do partido evolucionista” e dos “maus padres que pululam neste concelho” (12). O republicano Manuel dos Santos Pato diria mesmo que “estas selvajarias se não podem atribuir a autênticos e leais republicanos, quer sejam democráticos, evolucionistas, unionistas ou sem filiação partidária”, mas sim a “abjectas criaturas, não só inimigas figadais da República como do progresso e do sossego da freguesia da Mamarrosa” (13).

Contra esta visão que atribuía tais malfeitorias em exclusivo aos monárquicos e tinha como únicos prejudicados os republicanos democráticos, insurgia-se o padre Gabriel Duarte Martins, com textos publicados no órgão evolucionista de Águeda - Povo de Águeda. Alguma razão assistia ao pároco da Mamarrosa, como viria a reconhecer, com a dignidade e o aprumo cívico que o caracterizavam, Manuel dos Santos Pato, quando teve conhecimento dos tiros disparados contra as janelas da residência do padre Gabriel, da “carga de pau” aplicada pelos democráticos no cidadão Manuel Carriço, ou até da atitude desrespeitosa dos republicanos democráticos, quando a 5 de Outubro de 1913, no momento em que saía o préstito religioso, “desfraldaram a bandeira nacional soltando vivas à República e abaixos à Reacção” (14). Aos anticlericais causava engulho o facto de ser posta na rua uma procissão precisamente no dia do aniversário da proclamação da República.

Resta acrescentar que após três anos de República, as eleições para as Câmaras Municipais e Juntas de Paróquia fecharam um ciclo em que se “normalizou” a situação irregular de todas as comissões paroquiais, municipais e distritais de nomeação revolucionária. A forma como estavam organizadas, sem consulta popular, não correspondia ao “espírito democrático das instituições republicanas”, assumindo características de corpos administrativos de “nomeação ditatorial”. E porquê só três anos depois se repôs o tal espírito democrático? Porque, para os republicanos, era necessário salvaguardar as instituições “das influências eleitorais dos caciques monárquicos”, uma vez que “apenas nos centros urbanos Portugal estava republicanizado”. Na província o número de analfabetos era “pavoroso”, grassava o indiferentismo político e muita gente associava a palavra República a anarquia e por isso lhe fazia viva oposição (15).

Para 5 de Novembro de 1916, portanto em plena crise da guerra, estavam previstas novas eleições administrativas para câmaras e juntas de freguesia, que entretanto viriam a ser estrategicamente adiadas. Os republicanos falavam em “manejos monárquicos” e diziam que se tramava um movimento revolucionário para a data das eleições. Esse suposto movimento eclodiria a 13 Dezembro, liderado por Machado Santos com apoio das tropas de Tomar. Os monárquicos alegavam que o adiamento das eleições se devia ao receio que os republicanos tinham de as perder. A sensibilidade andava à flor da pele. A simples intenção dos monárquicos quererem disputar eleições administrativas no tempo da União Sagrada era, aos olhos dos republicanos, considerada uma verdadeira traição (16).

Os republicanos invocavam a Lei de 1 de Junho de 1915, publicada logo após a queda do governo de Pimenta de Castro. A lei preceituava que, havendo acordo entre os partidos, não havia necessidade de eleições. Os opositores do Partido Democrático é que não estavam pelos ajustes: apesar de integrarem o governo da União Sagrada, os evolucionistas aliaram-se em muitos concelhos aos unionistas – que tinham ficado de fora – e aos monárquicos. Salvo raras excepções – diziam os democráticos – os unionistas e os evolucionistas, mancomunados com os monárquicos, não podiam ser considerados verdadeiros republicanos. Essa aliança espúria em vários concelhos tinha como principal objectivo “guerrear o Partido Republicano Português” (17).

Alguns dos candidatos indigitados nessas listas eram vistos pelos democráticos como dos mais ferozes inimigos da República. Na Mamarrosa, por exemplo, eram badalados para vereadores os nomes de Armando Gapo e Manuel de Matos Ala. O primeiro era um “antigo galopim às ordens de António Sereno” que tinha estado preso como conspirador e desempenhara o cargo de regedor durante a ditadura pimentista; o segundo era conhecido caixeiro do ex-Visconde de Bustos, também tinha sido preso e respondera no Tribunal marcial de Coimbra como “cúmplice no arrombamento da ponte do Pano, por meio de dinamite”. Era também o “consagrado autor do hino restauracionista”, cuja letra rematava do seguinte modo: “Assim que tivermos rei posto/saudaremos Paiva Couceiro” (18).

Apesar de se encontrarem suspensas as garantias individuais e ter sido declarado o estado de sítio em 13 de Dezembro de 1916, na sequência da tentativa de golpe liderada por Machado Santos, os monárquicos da Mamarrosa, armados de varapaus e espingardas, eram acusados de, na noite de 1 para 2 de Janeiro de 1917, insultar os republicanos e soltar “avinhados vivas à monarquia”. O instigador-mor era mais uma vez Armando Simões Gapo, “ridículo galopim às ordens do chefe monárquico Sereno de Bustos” (19). As eleições para as Câmaras Municipais e Juntas Gerais de Distrito só tiveram lugar a 4 de Novembro de 1917, um ano depois da data prevista. Em Oliveira do Bairro ganharam os evolucionistas, ficando os democráticos em minoria.

À margem deste ambiente toldado por conflitos permanentes e desunião generalizada, numa altura em que a fome bate à porta de muitos lares e a guerra rouba os braços que fazem falta à agricultura, enquanto as mães choravam a partida dos filhos para os campos de batalha havia quem trabalhasse com afinco na criação duma paróquia civil em Bustos.

Pode afirmar-se com a segurança que as fontes escritas conferem – neste caso a imprensa da época – que a questão da desanexação de Bustos da freguesia-mãe já era discutida em 1915. Prova-o uma “Carta da Mamarrosa” da autoria de Manuel dos Santos Pato, datada de 29 de Dezembro de 1915. Ao ter conhecimento que a Junta de Paróquia da Mamarrosa tinha referendado uma iniciativa da Câmara para que os impostos aumentassem 15% (votaram contra esse agravamento as Juntas democráticas de Oiã e do Troviscal e a favor as de Palhaça, Oliveira do Bairro e Mamarrosa) o futuro redactor e director do Alma Popular considerava tratar-se de uma verdadeira extorsão de dinheiro ao povo, que tão necessário era para prover as suas necessidades quotidianas.

A mesma Junta deliberara também contrair um empréstimo de cinco contos, destinado à construção de uma ou duas casas de escola em Bustos. Constava até, na altura, que parte dessa verba poderia vir a ser desviada para a construção de uma torre, pertença de um particular (seria o visconde de Bustos?) na qual estaria a ser utilizado trabalho braçal da Junta da Mamarrosa ou mesmo da Câmara.

A parte verdadeiramente curiosa desta notícia vem logo a seguir: a consumarem-se essas medidas, o povo teria de contribuir durante muitos anos com elevadíssimas quantias para pagamento dos juros e amortização da dívida contraída. Sustentava Manuel dos Santos Pato que a situação se agravaria se viesse a dar-se o caso de, “brevemente, ser criada uma paróquia civil em Bustos”, o que para ele seria fácil. O raciocínio era simples: logo que Bustos se separasse da freguesia-mãe, quem teria de pagar os cinco contos e respectivos juros seria o ramo da Mamarrosa, unicamente. Não era por falta de amor à sua terra que Manuel dos Santos Pato parecia discordar da criação das casas da escola em Bustos: era por respeito à freguesia-mãe, por discordar que no futuro o povo da Mamarrosa viesse a suportar sozinho todas as despesas. Por isso dizia estar-se perante “uma situação iníqua e vexatória” (20).

O núcleo duro que trabalhava na desanexação era constituído por republicanos democráticos. Apesar da oposição declarada do Visconde, consideravam tratar-se de uma medida justa. Bustos era um lugar com importância suficiente para ter direito à independência. Entregaram para esse fim um abaixo assinado com muitas assinaturas ao deputado pelo círculo de Aveiro - Dr. Marques da Costa – que deveria apresentar com brevidade o projecto no Parlamento. Os republicanos da Mamarrosa, talvez por solidariedade política, não deixavam de aplaudir a iniciativa: “Pôr-se-ia assim um dique às antigas rixas pessoais e políticas tão frequentes entre os dois povos” (21). Se tudo corresse de feição, Bustos teria a almejada autonomia e a Mamarrosa, embora freguesia pequena em território e de escassa população, ficaria com a certeza de que os seus rendimentos paroquiais jamais seriam desviados para outros fins por mãos menos escrupulosas.

Também se projectava para o lugar da Quinta Nova, em 1916, uma estação telégrafo-postal. A dinamização da iniciativa pertencia à comissão política do Partido Republicano Português, já que a Câmara e a Junta de Freguesia da Mamarrosa permaneciam “no mais condenável indiferentismo e letargia” (22). Trabalhava-se em várias frentes para a dignificação e o progresso de Bustos. Tudo numa altura em que uma nova lei passava a designar por Juntas de Freguesia as corporações administrativas que até essa data se chamavam Juntas de Paróquia. Essa lei foi publicada no Diário do Governo de 23 de Junho de 1916 e contém grandes alterações aos códigos administrativos então em vigor.

Em 1917 o problema da separação continuava na ordem do dia. Anunciava-se para 26 de Agosto um referendo para desanexar da Mamarrosa o ramo de Bustos. Era uma aspiração “de há muitos anos” que ao povo da Mamarrosa “não desagrada” (23). Muito provavelmente o resultado não foi favorável aos defensores da independência de Bustos. A questão seria protelada por mais dois anos e meio, tempo necessário para remover os muitos escolhos que se atravessavam no caminho.

Finalmente, em Janeiro de 1920 o jornal Gente Nova, órgão e porta-voz da Plêiade Bairradina, anuncia a criação da freguesia de Bustos e elogia os esforços empreendidos pelo deputado Dr. Costa Ferreira, de Oliveira do Bairro. A área da nova freguesia foi destacada da área da Mamarrosa, reconhecendo-se “a separação moral dos dois povos entre os quais parecia desde há muito haver uma acentuada rivalidade” (24). A Lei n.º 942, de 18 de Fevereiro de 1920, consagrou legalmente a freguesia e a data passou a ser festejada como o “dia” de Bustos.

Para 9 de Maio de 1920 foram marcadas eleições para as novas Juntas de Freguesia de Bustos e da Mamarrosa. Uma semana antes do acto eleitoral já se dava como praticamente adquirido que não haveria oposição às listas apresentadas pelo Partido Republicano (25). E assim viria a acontecer. Na Mamarrosa os monárquicos e seus aliados, entre os quais se incluíam republicanos conservadores, ainda tentaram entrar na contenda contra os democráticos mas acabariam por desistir à boca das urnas. Em Bustos não houve oposição aos candidatos apresentados pelo Partido Republicano. Ao concorrerem à Junta pessoas que tiveram um papel relevante na desanexação de Bustos da Mamarrosa, dificilmente o resultado poderia ser outro. A euforia da “independência” ainda transbordava de muitos corações e o povo não poderia dar o seu voto a outros que não os republicanos democráticos. Até porque sabia bem quem na sombra tinha manobrado para que a separação não se desse.

Para a história fica a constituição dessa primeira Junta: Jacinto Simões dos Louros, Duarte Nunes Cipriano, Manuel Francisco Domingues Júnior, Manuel dos Santos Rosário e Manuel da Silva Novo (efectivos); Diamantino da Silva Tarrafo, Daniel Francisco Rei, Manuel Nunes Mota, Artur Baptista e Sebastião Granjeia Martins, substitutos (26).

Permitam os amigos de Bustos sempre atentos às raízes do seu berço – como à saciedade se comprova com as comemorações do 9 de Maio de 1920 - que este espectador distanciado das coisas da vossa terra confesse o seguinte: o Dr. Manuel dos Santos Pato não terá ainda hoje a visibilidade e o reconhecimento público que o exercício da sua cidadania activa parece aconselhar. Não sei, com toda a franqueza, se tem nome de rua ou se é evocado em qualquer praça ou monumento. Sei apenas que entre outras coisas também terçou armas por Bustos e que foi um paladino da sua independência.

Mesmo que inadvertidamente, será bom que outros nomes não tapem, com a grandeza que se lhes reconhece, a estatura moral e cívica que ele também inegavelmente teve. E que a meu ver faz com que seja proibido esquecê-lo.

(1) O Nauta, 07.01.1909.
(2) Bairrada Livre, n.º 158, 10.01.1914.
(3) Armor Pires Mota, Oliveira do Bairro. Em Busca da História Perdida, Edição da Câmara Municipal de Oliveira do Bairro, 1997, pp. 37-38.
(4) Bairrada Livre, n.º 196, 28.03.1914, p. 1.
(5) Idem, n. 155, 20.12.1913, p. 3.
(6) Idem, n.º 173, 25.04.1914, p. 3.
(7) Manuel dos Santos Pato, “Carta da Mamarrosa”, Bairrada Livre, n.º 189, 15.08.1914, p. 2.
(8) Idem, ibidem.
(9) Idem, n.º 172, 18.04.1914, p. 3.
(10) Gomes Júnior, “Cartas de Perto”, Bairrada Livre, n.º 175, 09.05.1914, p. 3; Manuel dos Santos Pato, “Carta da Mamarrosa”, Bairrada Livre, n.º 189, 15.08.1914, p. 2.
(11) “Carta da Mamarrosa”, Bairrada Livre, n.º 199, 24.10.1914, p. 3.
(12) Bairrada Livre, nº 176, 16.05.1914, p. 3.
(13) Manuel dos Santos Pato, “Uma carta”, Bairrada Livre, n.º 179, 06.05.1914, p. 2. Esta carta foi também endereçada à redacção do Povo de Águeda.
(14) Manuel dos Santos Pato, “Carta da Mamarrosa”, Bairrada Livre, n.º 189, 15.08.1914, p. 2.
(15) “Impressões políticas”, Bairrada Livre, n.º 156, 27.12.1913, p. 1.
(16) Bairrada Livre, n.º 303, 14.10.1916, p. 1.
(17) “A eleição de amanhã”, Bairrada Livre, n.º 306, 04.11.1916, p. 2.
(18) “Em Oliveira do Bairro”, idem, ibidem.
(19) “Monárquicos à solta”, idem, n.º 316, 13.01.1917, p. 2.
(20) Manuel dos Santos Pato, “Carta da Mamarrosa. Verdades amargas” ( 29.11.1915), Bairrada Livre, n.º 261, 01.01.1916, pp. 1-2.
(21) Manuel dos Santos Pato, “Carta da Mamarrosa”, Bairrada Livre, n.º 278, 29.04.1916, p. 2.
(22) Manuel dos Santos Pato, “Carta da Mamarrosa”, Bairrada Livre, n.º 280, 13.05.1916, p. 3.
(23) Bairrada Livre, n.º 346, 11.08.1917, p. 3.
(24) Gente Nova, Ano I, n.º 34, 31-01.1920.
(25) Alma Popular, n.º 41, 01.05.1920.
(26) Idem, n.º 42, 15.09.1920.


domingo, 2 de maio de 2010

DIA DA MÃE


POEMA À MÃE

No mais fundo de ti
Eu sei que te traí, mãe.

Tudo porque já não sou
O menino adormecido
No fundo dos teus olhos.

Tudo porque ignoras
Que há leitos onde o frio não se demora
E noites rumorosas de águas matinais.

Por isso, às vezes, as palavras que te digo
São duras, mãe,
E o nosso amor é infeliz.

Tudo porque perdi as rosas brancas
Que apertava junto ao coração
No retrato da moldura.

Se soubesses como ainda amo as rosas,
Talvez não enchesses as horas de pesadelos.

Mas tu esqueceste muita coisa;
Esqueceste que as minhas pernas cresceram,
Que todo o meu corpo cresceu,
E até o meu coração
Ficou enorme, mãe!

Olha - queres ouvir-me? -
Às vezes ainda sou o menino
Que adormeceu nos teus olhos;

Ainda aperto contra o coração
Rosas tão brancas
Como as que tens na moldura;

Ainda oiço a tua voz:
Era uma vez uma princesa
No meio do laranjal...

Mas - tu sabes - a noite é enorme,
E todo o meu corpo cresceu.
Eu saí da moldura,
Dei às aves os meus olhos a beber.

Não me esqueci de nada, mãe.
Guardo a tua voz dentro de mim.
E deixo as rosas.

Boa noite. Eu vou com as aves.

Eugénio de Andrade, Os Amantes sem Dinheiro

sábado, 1 de maio de 2010

[MOUVA - PUB] Este domingo, dia 2

CARDÁPIO:


Mercado de Objectos Usados

Artesanato

Ginástica

Comes & Bebes

Stand-up Comedy (c/ Pedro Neves - Levanta-te e Ri!)

Hora do Conto Infantil

Músicas do Mundo

Oficinas Verdes (Compostagem)


... na Praça de São Pedro, Palhaça, entre as 10h e as 17h.