domingo, 26 de dezembro de 2010

PRENDAS DE NATAL PARA PALHAÇA CÍVICA (II)



DIA DE NATAL


Hoje é dia de ser bom.

É dia de passar a mão pelo rosto das crianças,

de falar e de ouvir com mavioso tom,

de abraçar toda a gente e de oferecer lembranças.


É dia de pensar nos outros - coitadinhos - nos que padecem,

de lhes darmos coragem para poderem continuar a aceitar a sua miséria,

de perdoar aos nossos inimigos, mesmo aos que não merecem,

de meditar sobre a nossa existência, tão efémera e tão séria.


Comove tanta fraternidade universal.

É só abrir o rádio e logo um coro de anjos,

como se de anjos fosse,

numa toada doce,

de violas e banjos,

entoa gravemente um hino ao Criador.

E mal se extinguem os clamores plangentes,

a voz do locutor

anuncia o melhor dos detergentes.


De novo a melopeia inunda a Terra e o Céu

e as vozes crescem num fervor patético.

(Vossa Excelência verificou a hora exacta em que o Menino Jesus nasceu?

Não seja estúpido! Compre imediatamente um relógio de pulso antimagnético.)


Torna-se difícil caminhar nas preciosas ruas.

Toda a gente se acotovela, se multiplica em gestos, esfuziantes.

Todos participam nas alegrias dos outros como se fossem suas

e fazem adeuses enluvados aos bons amigos que passam mais distantes.


Nas lojas, na luxúria das montras e dos escaparates,

com subtis requintes de bom gosto e de engenhosa dinâmica,

cintilam, sob o intenso fluxo de milhares de quilovates,

as belas coisas inúteis de plástico, de metal, de vidro e de cerâmica.


Os olhos acorrem, num alvoroço liquefeito,

ao chamamento voluptuoso dos brilhos e das cores.

É como se tudo aquilo nos dissesse directamente respeito,

Como se o Céu olhasse para nós e nos cobrisse de bênçãos e favores.


A Oratória de Bach embruxa a atmosfera do arruamento.

Adivinha-se uma roupagem diáfana a desembrulhar-se no ar.

E a gente, mesmo sem querer, entra no estabelecimento

e compra - louvado seja o Senhor! - o que nunca tinha pensado comprar.


Mas a maior felicidade é a da gente pequena.

Naquela véspera santa

a sua comoção é tanta, tanta, tanta,

que nem dorme serena.


Cada menino

abre um olhinho

na noite incerta

para ver se a aurora

já está desperta.

De manhãzinha

salta da cama,

corre à cozinha

mesmo em pijama.


Ah!!!!!!!!!!


Na branda macieza

da matutina luz

aguarda-o a surpresa

do Menino Jesus.


Jesus,

o doce Jesus,

o mesmo que nasceu na manjedoura,

veio pôr no sapinho

do Pedrinho

uma metralhadora.


Que alegria

reinou naquela casa em todo o santo dia!

O Pedrinho, estrategicamente escondido atrás das portas,

fuzilava tudo com devastadoras rajadas

e obrigava as criada

a caírem no chão como se fossem mortas:

Tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá.

Já está!

E fazia-as erguer para de novo matá-las.

E até mesmo a mamã e o sisudo papá

fingiam

que caíam

crivados de balas.


Dia de Confraternização Universal,

dia de Amor, de Paz, de Felicidade,

de Sonhos e Venturas.

É dia de Natal.

Paz na terra aos Homens de Boa Vontade.

Glória a Deus nas Alturas.



ANTÓNIO GEDEÃO


(Poesias Completas)



PRENDAS DE NATAL PARA PALHAÇA CÍVICA (I)

Apesar de moribundo, merece que nos lembremos dele uma vez por outra. No Natal ficamos menos empedernidos. Menos tresmalhados e mais disponíveis para voltar ao calor do redil. Mais comovidos com tudo o que nos rodeia. Mais humanos, portanto. Pena que seja apenas a horas certas, em dias assinalados no calendário. Apesar dos apelos, não somos capazes de viver o espírito de Natal todos os dias, tornar o amor mais íntimo e duradouro.


É assim que, animado por infâncias que se bifurcam na imaginação, resolvo deixar no sapatinho de Palhaça Cívica um conto de Natal publicado no já longínquo ano de 1986 no jornal Litoral, de Aveiro.


É a minha memória difusa da véspera de Natal no final dos anos 50, na Palhaça do século passado.



Era o lugar ameno, a fonte clara. O coradouro, ladeado de vergueiros e os tanques de água fresca. Eram os cômoros altos. Era o regato manso. E o pinhal mais acima, bordando o horizonte. O pinhal onde Tiago apanhava tufos de musgo, verde-claros, para o presépio.


Era isso que fazia todos os anos. Sempre no dia vinte e quatro. E logo pela manhã, indiferente aos rigores certos de Dezembro. A tarde era o tempo de que dispunha para fazer o presépio. Uma tarde especial que o fazia arder de impaciência, à espera da noite que a sua imaginação fértil povoava de segredos e mistérios.


Para merecer os favores do Pai Natal, Tiago recriava o presépio com todos os elementos, manjedoura e tudo, tal como aprendera na catequese. Às vezes faltava um rei mago, um pastor ou uma ovelha, partidos em traquinices cúmplices com outros meninos de riso largo. Devolvia-lhos a mãe, na feira que antecedia o Natal, para que na altura própria nada faltasse. Figuras toscas e ingénuas, um tanto garridas, a exalar aquele cheiro forte, característico, que se desprende das argilas bafejadas.


A noite, fria e espessa, reunia a família no ritual da ceia farta. Era o bacalhau tradicional, com couves e batatas. Era a broa quente, o vinho novo. Eram os figos, as nozes, rabanadas e castanhas no borralho. E a fogueira de labaredas altas, amornando os corpos, inundando tudo de luz e aconchego.


As conversas à mesa, arrastadas e suaves, não as entendia o Tiago. Mas nem por isso deixava de estar feliz. O presépio, obra inteiramente sua, lá estava, acabado a tempo e lindo de se ver. O que era preciso era manter-se acordado. Largando a mesa, irrequieto e agitado, apartou-se dos demais indo sentar-se ao canto da lareira. Para se distrair brincava com as agulhas dos pinheiros, construindo arcos e flechas a que logo chegava o lume. Ou então separava, com a tenaz, as castanhas da fogueira.


Lá fora um vento gélido e agreste soprava forte, acentuando a sonolência que se desprendia da lareira. Com o avançar das horas as vozes pareciam chegar até Tiago vindas de longe, distantes, sumidas e imperceptíveis. A dada altura deixou de as ouvir e adormeceu, adiando por mais um ano a conversa aprazada com o Pai Natal. Ainda não era meia-noite, hora a que começava a missa do galo.


Sem o saber, iria falar com ele a noite toda. Em sonhos e fantasias se realizou o desejo de Tiago, adiado com a experiência falhada da noite anterior. Bem pela manhã, ainda o relógio da torre não havia badalado as sete e já ele se levantava de um pulo, descendo dois a dois os degraus da escada de madeira que terminava junto à cozinha.



Ao entrar, puxaram-se-lhe os olhos para a lareira. Qualquer coisa cintilou dentro dele! Lá estavam, a transbordar dos sapatos pequenos, os brinquedos que em sonhos pedira ao Pai Natal. Esses e outros. Embrulhados no celofane garrido do contentamento. Atados com o laçarote seguro do amor verdadeiro, que Tiago julgava distribuído em iguais rações de afecto por todos os meninos do mundo.


Julgava. Hoje vai na casa dos trinta e sabe que não é assim. Já não vê as coisas com as lentes finas da fantasia. Usa as lentes mais grossas e mais inestéticas da maioridade. Com elas vê crianças de existência curta mas já viúva de alegrias. Meninos sem riso largo, que o não são na altura certa, colando o narizito às montras e os olhos magoados a ilusórias abundâncias. E sabe de homens sem ceia farta e sem ceia escassa, comendo em pratos de nada e de coisa nenhuma. Conhece outros que arrotam em hossanas de gozo caridade por todos os poros. Sempre a horas certas no ritual da hipocrisia anualmente renovada.


Sabe disso tudo. E às vezes apetece-lhe, numa raiva surda, dizer a todos os meninos que o Pai Natal não existe. Ou que existe só para alguns, fingindo os que sabem disso que ele existe para todos.


Apetece-lhe dizer mas não diz. Aprendeu até que talvez não exista nisso a mais leve ponta de hipocrisia. Gente que escreve para crianças afirma a pés juntos que fazer tal coisa seria brutalizá-las. Não se pode cortar o fio do sonho…


Talvez Miguel de Unamuno tenha mesmo razão quando diz que mentir por amor é que é falar verdade.


Era o lugar ameno, a fonte clara. Era o regato manso. Era.


Era o Pai Natal.


É!


terça-feira, 14 de setembro de 2010

MOUVA+NOITE | Este sábado, 14-24h

DJ JonnySix (Rock/ Electro) |Piif Paff (Animação Clownesca)
Grupo de Bombos ADREP | Revolution (Dança Hip Hop)
Astro-Fotografia | Dança do Ventre | Yoga | Risoterapia | Ginástica |
Eco-Ponto | Poesia Visual | Multimedia| Café & Co | Jogos | etc



MOUVA+NOITE | MERCADO ENTRA NA NOITE PARA CONQUISTAR A PRAÇA


O Mouva regressa, em Setembro, para uma edição especial onde cultura e mercado vão conviver durante dez horas. Sábado, 18 de Setembro, entre as 14h00 e as 24h00, a Praça de S. Pedro, na Palhaça, abre espaço à imaginação e ao mercado dos objectos usados, víveres e artesanato a que já habituou tantos que por ali têm passado.

O Mouva +Noite reúne um improviso de talentos e amigos numa iniciativa que vai no seu segundo ano: em 2009 contou com 5 edições, de Abril a Agosto; este ano somam-se mais 4 edições, nos primeiros domingos, de Março a Julho.

Nesta edição especial, o mercado procura as estrelas e prolonga-se para a noite, a Praça transforma-se para receber o brilho, a música e os astros do céu com Astro Fotografia, animação de rua e as misturas do DJ Set que vai acordar S.Pedro com sons do espaço e vídeo Mix Night.

A participação é totalmente gratuita, quer para vendedores quer para o público.






quinta-feira, 5 de agosto de 2010

Portugal é 3.º maior na precariedade

A terceira taxa mais elevada de contratos a prazo na UE é portuguesa. Mais de um quinto não têm vínculo. Eurostat revela que o País é daqueles onde se trabalha até mais tarde na idade e menos em regime de 'part-time'.

Portugal tem a segunda maior taxa de contratados a prazo da Zona Euro, a seguir à Espanha, com 22% dos trabalhadores nessa situação, e a terceira mais alta, se considerado o total da União Europeia. Segundo o inquérito do Eurostat ontem divulgado, a percentagem de trabalhadores portugueses com vínculo precário fica bastante acima da média da UE a 27, que não vai além dos 13,5%, sendo apenas superada pelos 25,4% da Espanha e os 26,5% da Polónia.

Esta realidade coincide com o facto de Portugal registar também a quarta maior taxa de desemprego da UE em Junho. As condeferações sindicais têm alertado para o peso crescente dos contratos a prazo e para o risco de estes continuarem a aumentar, num cenário de muito lenta recuperação económica, em que as empresas não têm confiança para contratar sem termo. Outro factor a poder contribuir ainda mais para o aumento do emprego precário é a nova obrigatoriedade de os desempregados subsidiados aceitarem empregos com salários mais baixos e em condições menos favoráveis do que até aqui.

Os dados do Eurostat, relativos à estrutura do mercado de emprego europeu em 2009, revelam que mesmo em países de economia tradicionalmente mais liberal, como são os casos do Reino Unido e da Irlanda, aquela taxa não vai além dos 5,7% e dos 8,5%, respectivamente. E nos países da Europa Central e do Leste os valores são ainda substancialmente mais baixos (ver caixa).

Reagindo ao Labour Force Survey do Eurostat, o Ministério do Trabalho considera que, uma vez que os dados referidos são de 2009, "não é possível avaliar o impacto das medidas tomadas ou que podem vir a ser concretizadas". Em causa estão, para o ministério, os acordos celebrados com os parceiros sociais e a revisão do Código do Trabalho, que entrou em vigor em Janeiro de 2010 e que introduziu uma "disciplina mais apertada na possibilidade de uso do contrato a termo". O contrato a termo que se podia estender por seis anos está agora limitado a três. Nesta matéria, porém, os problemas têm surgido não das leis mas do seu incumprimento generalizado pelas empresas, que usam os recibos verdes de forma desadequada, como aponta a Autoridade para as Condições do Trabalho.

Outra conclusão interessante do relatório agora divulgado é a de que apesar de a taxa de emprego estar a cair em termos globais no espaço europeu para 64%, se verificar, ao mesmo tempo, um aumento da actividade dos mais velhos. A população empregada com idades compreendidas entre os 55 e os 64 anos aumentou dos 45,6% em 2008 para os 46% em 2009, num movimento contínuo ao longo dos últimos anos.

Esta evolução pode estar relacionada com as medidas de penalização às reformas antecipadas e, em alguns casos, ao próprio aumento da idade legal de reforma, que obrigam os trabalhadores a trabalhar até mais tarde. Mas também com o aumento da esperança média de vida.

Nesta matéria, a percentagem da população empregada entre os 55 e os 64 anos em Portugal está acima da média da Zona Euro e do total da UE. Ou seja, o País tem 49,7% da população empregada naquele grupo etário, quando as médias europeias se situam em 45% e 46%, respectivamente.

Outra variação significativa registada por Portugal é o muito baixo peso do trabalho temporário no total da população empregada. São apenas 8,4% a recorrer a esta modalidade quando a média da Zona Euro é de 19,5% e a da UE de 18,1%. Já a taxa de emprego portuguesa (66,3%) é superior aos 64,7% da média da Zona Euro.

in DN


Alguém pediu um regime laboral menos rígido?

terça-feira, 3 de agosto de 2010

PALHAÇA EM FESTA DE 6 A 13 DE AGOSTO COM RITMO SOLIDÁRIO

Com início marcado para o próximo dia 6 de Agosto, a tradicional festa de Agosto da Palhaça, em honra de S. Sebastião e Nª Sª da Memória, reverte, pelo segundo ano consecutivo, em benefício do Espaço Vida. Um espaço que congrega um conjunto de equipamentos sociais que estão a dotar a vila de condições de atendimento excepcionais e que vão permitir servir um maior número de utentes em Creche, Centro de Dia, Lar de Idosos e Serviço de Apoio Domiciliário. No final do ano passado abriu o Centro de Actividades Ocupacionais (CAO), o primeiro equipamento deste espaço a entrar em funcionamento.

As celebrações litúrgicas destes festejos arrancam no próximo dia 6, sexta-feira, à noite, com a Procissão de Velas da Igreja de Vila Nova para a Igreja Matriz, às 21h 30m. A Missa solene tem lugar na Igreja Matriz, dia 8 de Agosto, seguida de Procissão de andores para a Igreja de Vila Nova.
Ao longo de toda a semana, no largo das escolas, onde a festa vai ter lugar, será ainda possível investir na quermesse ajudando às obras sociais em troca de prémios. Poderá também petiscar e refrescar-se com bebidas frescas no bar de apoio aos festejos.

SERÕES ANIMADOS NO LARGO DAS ESCOLAS


Os festejos contemplam ainda muita animação, entre iniciativas de carácter mais popular que vão desde as noites de música e dança, passando pelo folclore, música popular e jogos tradicionais. Domingo, dia 8, com uma tarde de folclore e a noite, depois dos talentos locais com Gisela Fardilha e o Grupo de Cantares Raízes da Nossa Terra, sobem ao palco os ADIAFA, banda que recentemente integrou o último projecto de João Gil e João Monge, Baile Popular. O grupo de musica popular portuguesa ficou conhecido em 2003, quando atingiu a categoria de disco de platina com mais de 60.000 discos vendidos. A partir de segunda, as noites convidam ao pezinho de dança, com a presença de vários grupos. Logo nessa noite, 9 de Agosto, com o Grupo Musical KGB, na terça-feira, 10 de Agosto, serão de baile com Costa Verde; quarta-feira é a vez do Roconorte; quinta-feira, dia 12 de Agosto, sobe ao palco a formação Tribo; e a encerrar os festejos de 2010, na sexta-feira, a actuação do grupo musical TV5.

BEM-VINDO De passagem, aproveitando para quebrar a rotina dos dias de trabalho ou aproveitando as férias, será bem-vindo à Palhaça.

quinta-feira, 8 de julho de 2010

Os indivíduos individualistas independentes em que nos tornámos?

Saio da AR, onde troquei umas palavras com uma jovem representante dos Precários Inflexíveis, que me ia dando conta das linhas gerais das propostas sobre recibos verdes (papéis que conheço, não pelos melhores motivos), a serem apresentadas dentro de momentos pelo PS e pelo BE. Tenho pena de não ter podido assistir ao debate. Não gosto muito da inflexibilidade, prefiro a concertação e a fiscalização (que acabam por não funcionar), mas sou um precário... Portanto, esta história diz-me respeito.

Lá fora, cruzo-me com uma marcha da CGTP - demasiado partidarizada e envelhecida, mas admirável pela resistência e pela cara que dá - e mais uma vez constato que eu e muitos jovens não se revêem naquela abordagem, mas instala-se num tipo afectado pelo precariado um dilema: aquela luta, apaixonada e solidária daqueles trabalhadores é importante, mas ao mesmo tempo há um certo receio do jovem não partidário de integrar um colectivo, do rótulo e de associação a um certo sindicato/partido. Tão independentes que queremos ser que parece que não somos nada... Entro, não entro na marcha? Fico de fora? Assisto? Exponho-me? Que consequências? O medo anda à solta?

A nossa geração parece não se identificar com os «velhos» sindicatos, mas tem tantas razões para reivindicar... A luta não é anacrónica, é urgente, tem todo o sentido, quando a taxa do desemprego anda por volta dos dois dígitos. O MAY DAY não chega... As denúncias à Inspecção do Trabalho não chegam, as conversas de café idem...

Fiquei amargo, encolhido e a sentir-me impotente, por achar que, cada vez mais individualistas, muitos jovens, que têm o seu futuro hipotecado, jovens de esquerda, de direita ou híbridos, não estão a encarar os problemas laborais - entre outros estruturais - de frente, de uma forma corajosa e veemente.

quarta-feira, 30 de junho de 2010

TOCAM OS SINOS NA TORRE DA IGREJA...


Já passou a procissão.

Fotografias.CatarinaPereira

terça-feira, 29 de junho de 2010

terça-feira, 8 de junho de 2010

PRAÇA PALCO DE TEATRO, BOLEROS E CONSELHOS DE SAÚDE

MOUVA DE JUNHO MARCADO PELA PRESENÇA DE NOVOS VENDEDORES E ANIMAÇÃO CLÁSSICA
No passado domingo, 6 de Junho, cerca de quarenta vendedores e várias centenas de pessoas não faltaram à agenda da penúltima edição do Mouva 2010. A Praça de S. Pedro é já paragem obrigatória para muitos visitantes que, do concelho ou de passagem, no primeiro domingo do mês procuram o Mercado de Objectos Usados, Víveres e Artesanato para comprar o pão pela manhã, levar as crianças à hora do conto ou espreitar a animação que a cada domingo tem feito as surpresas de quem passa.
Esta edição contou com a presença de novos vendedores, essencialmente da área do artesanato urbano que pela primeira vez apresentaram os seus trabalhos na feira, e as duas apresentações do recital "Anacreontea - Pintar com vinho as setas do amor", uma participação da associação cultural THÍASOS», da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra. Ao longo do recital, bastante aplaudido pelo público que se foi juntando em torno do coreto, foi possível assistir a momentos de música, dança, pintura, sem faltar o néctar de Diónisos.

Em semana de Dia Mundial da Criança, o Mercado não esqueceu os mais novos e teve também um espaço de animação dedicado aos mais pequenos - “Brincar à saúde” - que contou com a participação de três enfermeiras habituadas a trabalhar em projectos de sensibilização para o público infanto-juvenil. Através da música, este grupo conseguiu, não só animar todos os presentes que passeavam pela praça como abordar através de forma eficaz conceitos e conselhos de saúde de forma bastante divertida.
A edição de Junho despediu-se com um concerto de encerramento que fez as delícias do público que já tinha ouvido música ligeira na edição de 2009. O trio de percussão, acordeão e guitarra, composto, respectivamente, pelo Fardilha, João Cardoso e Bardote foi oferecendo uma banda sonora de valsas, boleros e tangos que prolongou para além da hora habitual o fim do Mouva com para agrado dos visitantes e transformando a praça num palco de memórias.

O Mouva regressa já no próximo dia 4 de Julho, onde se promete uma última edição regular do mercado em grande festa. Novidades, informações e imagens do Mouva podem ser seguidas nas páginas online.

Daniel Cohn-Bendit sobre ajuda económica a Grécia

O eurodeputado francês dos Verdes - um ícone do Maio de 68 - num discurso que faz pensar:

sábado, 5 de junho de 2010

VENHA DAÍ VENDER, COMPRAR, PASSEAR OU DEIXAR-SE FICAR NA NOSSA PRAÇA

ESTE DOMINGO (10h00-17h00)
PASSE PELA PRAÇA,
É DIA DE MOUVA,
VENHA À PALHAÇA!


Num domingo recheado de eventos no concelho de Oliveira do Bairro, sugerimos a passagem pela Praça de São Pedro, na Palhaça. ESTE MÊS DESTACAMOS o teatro de rua de inspiração clássica as compras a preços acessíveis as actividades para crianças, e o habitual passeio descontraído num espaço público verdejante, ao som de músicas do mundo.
Se o tempo permitir teremos teremos esplanada permanente na Praça com o Café Abrigo. Tome um café ou beba um refresco lendo o jornal ou apenas conversando com o olhar de S. Pedro no horizonte.



CARDÁPIO _ PARA ESTE DOMINGO
1.ACTIVIDADES PARA CRIANÇAS
10H30 Desenho: «Vamos Estender O Arco-Íris Na Praça»
12H12 Hora do Conto: Encenação de uma história infantil
12H30 Recreio da Saúde: Aprender cuidados de saúde de forma lúdica


2. ANIMAÇÃO PARA TODOS
RECITAL «ANACREONTEA» PELA ASSOCIAÇÃO CULTURAL «THÍASOS» (Universidade de Letras de Coimbra)
Título: "Anacreontea. Pintar com vinho as setas do amor"
Resumo:
A poesia feita ao jeito de Anacreontea atravessa vários temas de inspiração, do vinho ao amor, passando pela descrição do trabalho do artista que canta, esculpe, pinta. Ao longo do recital, tentamos recuperar um pouco de todos esses temas, com momentos de música, dança, pintura, sem faltar o néctar de Diónisos.

MÚSICA, com a já habitual MENSALMENTE CUIDADA SELECÇÃO MOUVA
Há uma Deolinda na Praça a desafiar a gente que passa. É só nas colunas de som, mas sabemos que ela é das nossas, como o são também o projecto O Qu'Estrada, os Gaiteiros de Lisboa ou A Naifa – Portugal tradicional e Portugal contemporâneo. A viagem musical é um pouco ziguezagueada. De um momento para o outro podemos correr de Espanha para a Índia ou para Cabo-Verde, e imediatamente a seguir para o romantismo de Paris ou para a farra ou para a solenidade do leste da Europa, com música dos Balcãs a marcar o ritmo. Cesária Évora, Anaquim, Fanfarra Ciocarlia e Pascal Comelade estão garantidos.

terça-feira, 1 de junho de 2010

DIA MUNDIAL DA CRIANÇA

As crianças têm direitos. Mas todas? Quantas tiveram hoje direito a jogos, a pinturas faciais, a passeios, a ouvir contos infantis, a um dia especial?

A quantas continua a ser negado o direito a desenvolver o seu potencial? Quantas são privadas de serviços básicos? Quantas não conseguem fazer ouvir a sua voz?

Quem lhes corta o fio do sonho, o direito a sorrir, a ser felizes? Quantas não sobrevivem na selva moderna desprovida de afectos? Quantas não definham enroscadas em abandono criminoso?

Pedro Zargo, poeta aveirense, deu um dia forma poética a tais interrogações. Infelizmente essas perguntas, que deveriam durar tanto como as rosas de Malherbe, continuam actuais. Até quando?


Sabes, meu filho?
- É hoje o Dia da Criança.
Lê-se:
Hoje é o Dia Mundial da Criança!
Pergunta-se, não levem a mal:
- E porque não o Dia da Criança Universal?

sábado, 8 de maio de 2010

A pretexto do 9 de Maio de 1920: achegas para o ambiente em que se gerou a freguesia de Bustos

A maneira como cada comunidade se filia no seu próprio passado, numa procura activa e constante de recordações, ajuda a definir-lhe uma identidade própria e um sentimento de pertença que a distingue das demais. Por isso se saúda vivamente a iniciativa da Junta de Freguesia de Bustos ao resolver comemorar os 90 anos da sua existência.

É certo que só podemos recordar partes do que já passou. Mas isso não deixa de ser essencial para dar futuros ao passado. Às gerações actuais compete recuperar e se possível iluminar o que um dia aconteceu e foi digno de registo. E o que aconteceu em Bustos no dia 9 de Maio de 1920 foi simplesmente isto: a nomeação da primeira Junta de Freguesia, menos de três meses depois de se ter separado da Mamarrosa e se constituir como freguesia independente.

Não sabemos se o Dr. Duarte Novo, actual Presidente da edilidade, descende do cidadão Manuel da Silva Novo que integrava a histórica Junta presidida por Jacinto Simões dos Louros. A existirem esses laços de parentesco, o ritual comemorativo da efeméride assume até maior significado: ao honrar a memória dos cabouqueiros da freguesia, relembra e perpetua também um seu familiar provavelmente embrulhado em espesso e imerecido esquecimento. Aqueles que a Bustos legaram obra e lhe dedicaram o melhor do seu esforço e saber, bem merecem que os que hoje colhem os frutos desse acrisolado amor à terra-mãe os evoquem com a dignidade que merecem.

Tenho recolhido alguma informação sobre ambientes e episódios que antecederam a criação da freguesia de Bustos em 18 de Fevereiro de 1920. E ao verificar que os bustuenses de hoje sabem ser gratos e reconhecidos à memória do seus melhores e fiéis ao sangue que lhes corre nas veias, não resisto em partilhar com eles alguns desses episódios. Corro o risco, bem sei, de pouco ou nada acrescentar ao mosaico histórico-cultural que laboriosamente e com indesmentível competência Arsénio Mota e, num tempo mais recente, Sérgio Micaelo Ferreira e Belino Costa vêm construindo sobre a história de Bustos. Se uma ou outra migalha puder ser aproveitada, tanto melhor.

O ambiente pouco amistoso que se viveu a seguir à implantação da República um pouco por todo o concelho de Oliveira do Bairro e por maioria de razão entre as populações da Mamarrosa e de Bustos, é indesligável dos conflitos políticos que opuseram monárquicos e republicanos durante esse período conturbado da vida nacional. Às vezes todos contra os republicanos democráticos, após a cisão do Partido Republicano Português: não raras vezes republicanos conservadores – oriundos do partido evolucionista de António José de Almeida e do partido unionista de Brito Camacho, ou até dos intransigentes de Machado Santos, se aliaram aos monárquicos constitucionais, a que se colavam estrategicamente os monárquicos integralistas a partir de 1914. Essa guerra intestina de um contra todos deixaria marcas indeléveis nas relações que se estabeleciam entre as populações dos diferentes lugares e freguesias do concelho.

Muitos destes conflitos já vinham do tempo da Monarquia. Aquando das eleições paroquiais que se realizaram em Novembro de 1908 na Mamarrosa, os seguidores do visconde de Bustos terão alcançado “grande vitória”. Ali não concorreu qualquer lista republicana, mas estalaram as quezílias com os seguidores do conde de Águeda, que aproveitaram o ensejo para lembrar promessas não cumpridas ao povo da Quinta da Gala: uma estrada e uma fonte. Ao que parece as desavenças tinham a ver com o facto da lista apresentada pelo visconde ser integralmente constituída por pessoas de Bustos “em quem o povo da Mamarrosa não deposita confiança”. Por isso surgiu uma lista alternativa patrocinada pelo conde de Águeda, que à última hora resolveu não disputar a eleição (1).

Em 14 de Dezembro de 1913, na mesma data em que Anadia presta homenagem popular ao conselheiro José Luciano de Castro, decorrem novas eleições paroquiais. Por essa altura as juntas de paróquia viam os seus poderes reforçados, considerando-se entre as atribuições mais importantes a possibilidade do referendo de que dependiam várias deliberações das câmaras municipais.

No concelho de Oliveira do Bairro a oposição monárquico-evolucionista supunha ter ganho a câmara e com natural regozijo resolveu queimar muitas dúzias de foguetes. Manifestações “tolas e provocantes” – retorquiam os republicanos democráticos – que acabariam por ver confirmada uma vereação constituída só por elementos da sua cor política (2). Mas o triunfo da lista onde pontificavam, entre outros, Abílio de Oliveira Rocha e Jacinto Simões dos Louros seria efémero, já que em Abril de 1914, na sequência da contestação aos resultados eleitorais, tomava posse nova vereação dirigida por António Tavares de Araújo e Castro, em cumprimento de acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (3). O Supremo validara a eleição da “lista neutra” e o ressentimento dos derrotados era notório: acusaram o tribunal de parcialidade, já que “uma das partes conseguiu saber, algumas semanas antes de publicada a sua decisão, o sentido em que esta seria tomada” (4).

Na Junta de Paróquia da Mamarrosa os democráticos ficaram em minoria. Apesar da eleição decorrer sem incidentes – para os prevenir, conservou-se a pequena distância da assembleia uma força de infantaria – acabou por ser protestada por alegadas irregularidades atribuídas à lista vencedora. Esta era acusada de incluir um indivíduo que já havia estado preso por conspirar contra a República e outro que exercera o cargo de tesoureiro na anterior junta monárquica, salientando-se “pelas suas tremendas irregularidades e acintosas perseguições aos republicanos” (5).

O protesto não foi acolhido e a posse da nova vereação foi assinalada com rijos e provocatórios festejos, no dizer da imprensa republicana. Os talassas de Bustos e Mamarrosa vieram para a rua, “alguns de espingarda ao ombro, em provocantes manifestações”. Em Bustos tocou uma filarmónica e foram lançados pelo próprio Visconde “muitos aeróstatos azuis e brancos simbolizando as cores da bandeira monárquica contendo diatribes contra os republicanos”. A festança seria interrompida por volta da meia noite. Quando “o fogo de dinamite atroava os ares”, apareceu inesperadamente no local uma força de cavalaria 8 e logo os manifestantes se puseram em debandada, dando por findo o “talássico regabofe”. Ao que parece o governador civil tinha proibido as manifestações fora da sede do concelho, ordem essa desrespeitada pela “petulância dos monárquicos” (6). Dizia-se que os foguetes de dinamite eram “velhacamente lançados” para as habitações dos democráticos e que à porta destes tinham sido depositados molhos de vimes para lhes atar a beiça (7).

Em Oliveira do Bairro também houve incidentes. Os desacatos foram de tal ordem que a força armada teve de intervir, efectuando prisões e apreendendo armas. Na Mamarrosa, o abastado proprietário Manuel Gala foi importunado por elementos afectos à coligação monárquico-evolucionista: fizeram arruaças junto à casa, “provocando-o e hostilizando-o”, ao que parece pelo comezinho facto de ter aderido ao Partido Democrático (8). A população era alvo dos “maiores vandalismos”, atribuídos a desavenças políticas, que incluíam destruição de telhados, corte de cepas e oliveiras e até roupa danificada que se encontrava a secar no coradouro (9). Era grande o descontentamento no concelho, ao ponto da freguesia do Troviscal, fazendo eco duma velha aspiração, querer passar para o concelho de Anadia e a de Palhaça para o concelho de Aveiro, ao qual aliás já pertencera na segunda metade do século XIX.

Era este o ambiente que pairava no ar e se generalizara por todo o concelho: cortavam-se os fios de telégrafo entre Oliveira do Bairro e a Palhaça; degolavam-se videiras e devastavam-se searas; praticavam-se crimes de fogo posto e nem um busto da República que encimava o pedestal do chafariz da Mamarrosa resistiu à senha persecutória dos que agiam pela calada da noite, mutilando as tenras árvores que o circundavam e que tinham sido plantadas pelas crianças da escola no dia da Festa Nacional da Árvore (10).

Manuel dos Santos Pato falava em “estendal de misérias” perpetradas por “monarquetes estúpidos”, em crimes impunes e excessiva benevolência ou mesmo desleixo das autoridades. Acusava os “inimigos figadais” dos melhoramentos da Mamarrosa, que se melindravam com a festiva comemoração do 5 de Outubro, de terem assassinado a tiros de espingarda “o desventurado republicano Oliveira Ambrósio” e atentarem da forma mais covarde contra a vida dos democratas Augusto Simões dos Louros e João dos Santos Pato (11).

Tais actos seriam obra dos monárquicos, acobertados ”à sombra da bandeira do partido evolucionista” e dos “maus padres que pululam neste concelho” (12). O republicano Manuel dos Santos Pato diria mesmo que “estas selvajarias se não podem atribuir a autênticos e leais republicanos, quer sejam democráticos, evolucionistas, unionistas ou sem filiação partidária”, mas sim a “abjectas criaturas, não só inimigas figadais da República como do progresso e do sossego da freguesia da Mamarrosa” (13).

Contra esta visão que atribuía tais malfeitorias em exclusivo aos monárquicos e tinha como únicos prejudicados os republicanos democráticos, insurgia-se o padre Gabriel Duarte Martins, com textos publicados no órgão evolucionista de Águeda - Povo de Águeda. Alguma razão assistia ao pároco da Mamarrosa, como viria a reconhecer, com a dignidade e o aprumo cívico que o caracterizavam, Manuel dos Santos Pato, quando teve conhecimento dos tiros disparados contra as janelas da residência do padre Gabriel, da “carga de pau” aplicada pelos democráticos no cidadão Manuel Carriço, ou até da atitude desrespeitosa dos republicanos democráticos, quando a 5 de Outubro de 1913, no momento em que saía o préstito religioso, “desfraldaram a bandeira nacional soltando vivas à República e abaixos à Reacção” (14). Aos anticlericais causava engulho o facto de ser posta na rua uma procissão precisamente no dia do aniversário da proclamação da República.

Resta acrescentar que após três anos de República, as eleições para as Câmaras Municipais e Juntas de Paróquia fecharam um ciclo em que se “normalizou” a situação irregular de todas as comissões paroquiais, municipais e distritais de nomeação revolucionária. A forma como estavam organizadas, sem consulta popular, não correspondia ao “espírito democrático das instituições republicanas”, assumindo características de corpos administrativos de “nomeação ditatorial”. E porquê só três anos depois se repôs o tal espírito democrático? Porque, para os republicanos, era necessário salvaguardar as instituições “das influências eleitorais dos caciques monárquicos”, uma vez que “apenas nos centros urbanos Portugal estava republicanizado”. Na província o número de analfabetos era “pavoroso”, grassava o indiferentismo político e muita gente associava a palavra República a anarquia e por isso lhe fazia viva oposição (15).

Para 5 de Novembro de 1916, portanto em plena crise da guerra, estavam previstas novas eleições administrativas para câmaras e juntas de freguesia, que entretanto viriam a ser estrategicamente adiadas. Os republicanos falavam em “manejos monárquicos” e diziam que se tramava um movimento revolucionário para a data das eleições. Esse suposto movimento eclodiria a 13 Dezembro, liderado por Machado Santos com apoio das tropas de Tomar. Os monárquicos alegavam que o adiamento das eleições se devia ao receio que os republicanos tinham de as perder. A sensibilidade andava à flor da pele. A simples intenção dos monárquicos quererem disputar eleições administrativas no tempo da União Sagrada era, aos olhos dos republicanos, considerada uma verdadeira traição (16).

Os republicanos invocavam a Lei de 1 de Junho de 1915, publicada logo após a queda do governo de Pimenta de Castro. A lei preceituava que, havendo acordo entre os partidos, não havia necessidade de eleições. Os opositores do Partido Democrático é que não estavam pelos ajustes: apesar de integrarem o governo da União Sagrada, os evolucionistas aliaram-se em muitos concelhos aos unionistas – que tinham ficado de fora – e aos monárquicos. Salvo raras excepções – diziam os democráticos – os unionistas e os evolucionistas, mancomunados com os monárquicos, não podiam ser considerados verdadeiros republicanos. Essa aliança espúria em vários concelhos tinha como principal objectivo “guerrear o Partido Republicano Português” (17).

Alguns dos candidatos indigitados nessas listas eram vistos pelos democráticos como dos mais ferozes inimigos da República. Na Mamarrosa, por exemplo, eram badalados para vereadores os nomes de Armando Gapo e Manuel de Matos Ala. O primeiro era um “antigo galopim às ordens de António Sereno” que tinha estado preso como conspirador e desempenhara o cargo de regedor durante a ditadura pimentista; o segundo era conhecido caixeiro do ex-Visconde de Bustos, também tinha sido preso e respondera no Tribunal marcial de Coimbra como “cúmplice no arrombamento da ponte do Pano, por meio de dinamite”. Era também o “consagrado autor do hino restauracionista”, cuja letra rematava do seguinte modo: “Assim que tivermos rei posto/saudaremos Paiva Couceiro” (18).

Apesar de se encontrarem suspensas as garantias individuais e ter sido declarado o estado de sítio em 13 de Dezembro de 1916, na sequência da tentativa de golpe liderada por Machado Santos, os monárquicos da Mamarrosa, armados de varapaus e espingardas, eram acusados de, na noite de 1 para 2 de Janeiro de 1917, insultar os republicanos e soltar “avinhados vivas à monarquia”. O instigador-mor era mais uma vez Armando Simões Gapo, “ridículo galopim às ordens do chefe monárquico Sereno de Bustos” (19). As eleições para as Câmaras Municipais e Juntas Gerais de Distrito só tiveram lugar a 4 de Novembro de 1917, um ano depois da data prevista. Em Oliveira do Bairro ganharam os evolucionistas, ficando os democráticos em minoria.

À margem deste ambiente toldado por conflitos permanentes e desunião generalizada, numa altura em que a fome bate à porta de muitos lares e a guerra rouba os braços que fazem falta à agricultura, enquanto as mães choravam a partida dos filhos para os campos de batalha havia quem trabalhasse com afinco na criação duma paróquia civil em Bustos.

Pode afirmar-se com a segurança que as fontes escritas conferem – neste caso a imprensa da época – que a questão da desanexação de Bustos da freguesia-mãe já era discutida em 1915. Prova-o uma “Carta da Mamarrosa” da autoria de Manuel dos Santos Pato, datada de 29 de Dezembro de 1915. Ao ter conhecimento que a Junta de Paróquia da Mamarrosa tinha referendado uma iniciativa da Câmara para que os impostos aumentassem 15% (votaram contra esse agravamento as Juntas democráticas de Oiã e do Troviscal e a favor as de Palhaça, Oliveira do Bairro e Mamarrosa) o futuro redactor e director do Alma Popular considerava tratar-se de uma verdadeira extorsão de dinheiro ao povo, que tão necessário era para prover as suas necessidades quotidianas.

A mesma Junta deliberara também contrair um empréstimo de cinco contos, destinado à construção de uma ou duas casas de escola em Bustos. Constava até, na altura, que parte dessa verba poderia vir a ser desviada para a construção de uma torre, pertença de um particular (seria o visconde de Bustos?) na qual estaria a ser utilizado trabalho braçal da Junta da Mamarrosa ou mesmo da Câmara.

A parte verdadeiramente curiosa desta notícia vem logo a seguir: a consumarem-se essas medidas, o povo teria de contribuir durante muitos anos com elevadíssimas quantias para pagamento dos juros e amortização da dívida contraída. Sustentava Manuel dos Santos Pato que a situação se agravaria se viesse a dar-se o caso de, “brevemente, ser criada uma paróquia civil em Bustos”, o que para ele seria fácil. O raciocínio era simples: logo que Bustos se separasse da freguesia-mãe, quem teria de pagar os cinco contos e respectivos juros seria o ramo da Mamarrosa, unicamente. Não era por falta de amor à sua terra que Manuel dos Santos Pato parecia discordar da criação das casas da escola em Bustos: era por respeito à freguesia-mãe, por discordar que no futuro o povo da Mamarrosa viesse a suportar sozinho todas as despesas. Por isso dizia estar-se perante “uma situação iníqua e vexatória” (20).

O núcleo duro que trabalhava na desanexação era constituído por republicanos democráticos. Apesar da oposição declarada do Visconde, consideravam tratar-se de uma medida justa. Bustos era um lugar com importância suficiente para ter direito à independência. Entregaram para esse fim um abaixo assinado com muitas assinaturas ao deputado pelo círculo de Aveiro - Dr. Marques da Costa – que deveria apresentar com brevidade o projecto no Parlamento. Os republicanos da Mamarrosa, talvez por solidariedade política, não deixavam de aplaudir a iniciativa: “Pôr-se-ia assim um dique às antigas rixas pessoais e políticas tão frequentes entre os dois povos” (21). Se tudo corresse de feição, Bustos teria a almejada autonomia e a Mamarrosa, embora freguesia pequena em território e de escassa população, ficaria com a certeza de que os seus rendimentos paroquiais jamais seriam desviados para outros fins por mãos menos escrupulosas.

Também se projectava para o lugar da Quinta Nova, em 1916, uma estação telégrafo-postal. A dinamização da iniciativa pertencia à comissão política do Partido Republicano Português, já que a Câmara e a Junta de Freguesia da Mamarrosa permaneciam “no mais condenável indiferentismo e letargia” (22). Trabalhava-se em várias frentes para a dignificação e o progresso de Bustos. Tudo numa altura em que uma nova lei passava a designar por Juntas de Freguesia as corporações administrativas que até essa data se chamavam Juntas de Paróquia. Essa lei foi publicada no Diário do Governo de 23 de Junho de 1916 e contém grandes alterações aos códigos administrativos então em vigor.

Em 1917 o problema da separação continuava na ordem do dia. Anunciava-se para 26 de Agosto um referendo para desanexar da Mamarrosa o ramo de Bustos. Era uma aspiração “de há muitos anos” que ao povo da Mamarrosa “não desagrada” (23). Muito provavelmente o resultado não foi favorável aos defensores da independência de Bustos. A questão seria protelada por mais dois anos e meio, tempo necessário para remover os muitos escolhos que se atravessavam no caminho.

Finalmente, em Janeiro de 1920 o jornal Gente Nova, órgão e porta-voz da Plêiade Bairradina, anuncia a criação da freguesia de Bustos e elogia os esforços empreendidos pelo deputado Dr. Costa Ferreira, de Oliveira do Bairro. A área da nova freguesia foi destacada da área da Mamarrosa, reconhecendo-se “a separação moral dos dois povos entre os quais parecia desde há muito haver uma acentuada rivalidade” (24). A Lei n.º 942, de 18 de Fevereiro de 1920, consagrou legalmente a freguesia e a data passou a ser festejada como o “dia” de Bustos.

Para 9 de Maio de 1920 foram marcadas eleições para as novas Juntas de Freguesia de Bustos e da Mamarrosa. Uma semana antes do acto eleitoral já se dava como praticamente adquirido que não haveria oposição às listas apresentadas pelo Partido Republicano (25). E assim viria a acontecer. Na Mamarrosa os monárquicos e seus aliados, entre os quais se incluíam republicanos conservadores, ainda tentaram entrar na contenda contra os democráticos mas acabariam por desistir à boca das urnas. Em Bustos não houve oposição aos candidatos apresentados pelo Partido Republicano. Ao concorrerem à Junta pessoas que tiveram um papel relevante na desanexação de Bustos da Mamarrosa, dificilmente o resultado poderia ser outro. A euforia da “independência” ainda transbordava de muitos corações e o povo não poderia dar o seu voto a outros que não os republicanos democráticos. Até porque sabia bem quem na sombra tinha manobrado para que a separação não se desse.

Para a história fica a constituição dessa primeira Junta: Jacinto Simões dos Louros, Duarte Nunes Cipriano, Manuel Francisco Domingues Júnior, Manuel dos Santos Rosário e Manuel da Silva Novo (efectivos); Diamantino da Silva Tarrafo, Daniel Francisco Rei, Manuel Nunes Mota, Artur Baptista e Sebastião Granjeia Martins, substitutos (26).

Permitam os amigos de Bustos sempre atentos às raízes do seu berço – como à saciedade se comprova com as comemorações do 9 de Maio de 1920 - que este espectador distanciado das coisas da vossa terra confesse o seguinte: o Dr. Manuel dos Santos Pato não terá ainda hoje a visibilidade e o reconhecimento público que o exercício da sua cidadania activa parece aconselhar. Não sei, com toda a franqueza, se tem nome de rua ou se é evocado em qualquer praça ou monumento. Sei apenas que entre outras coisas também terçou armas por Bustos e que foi um paladino da sua independência.

Mesmo que inadvertidamente, será bom que outros nomes não tapem, com a grandeza que se lhes reconhece, a estatura moral e cívica que ele também inegavelmente teve. E que a meu ver faz com que seja proibido esquecê-lo.

(1) O Nauta, 07.01.1909.
(2) Bairrada Livre, n.º 158, 10.01.1914.
(3) Armor Pires Mota, Oliveira do Bairro. Em Busca da História Perdida, Edição da Câmara Municipal de Oliveira do Bairro, 1997, pp. 37-38.
(4) Bairrada Livre, n.º 196, 28.03.1914, p. 1.
(5) Idem, n. 155, 20.12.1913, p. 3.
(6) Idem, n.º 173, 25.04.1914, p. 3.
(7) Manuel dos Santos Pato, “Carta da Mamarrosa”, Bairrada Livre, n.º 189, 15.08.1914, p. 2.
(8) Idem, ibidem.
(9) Idem, n.º 172, 18.04.1914, p. 3.
(10) Gomes Júnior, “Cartas de Perto”, Bairrada Livre, n.º 175, 09.05.1914, p. 3; Manuel dos Santos Pato, “Carta da Mamarrosa”, Bairrada Livre, n.º 189, 15.08.1914, p. 2.
(11) “Carta da Mamarrosa”, Bairrada Livre, n.º 199, 24.10.1914, p. 3.
(12) Bairrada Livre, nº 176, 16.05.1914, p. 3.
(13) Manuel dos Santos Pato, “Uma carta”, Bairrada Livre, n.º 179, 06.05.1914, p. 2. Esta carta foi também endereçada à redacção do Povo de Águeda.
(14) Manuel dos Santos Pato, “Carta da Mamarrosa”, Bairrada Livre, n.º 189, 15.08.1914, p. 2.
(15) “Impressões políticas”, Bairrada Livre, n.º 156, 27.12.1913, p. 1.
(16) Bairrada Livre, n.º 303, 14.10.1916, p. 1.
(17) “A eleição de amanhã”, Bairrada Livre, n.º 306, 04.11.1916, p. 2.
(18) “Em Oliveira do Bairro”, idem, ibidem.
(19) “Monárquicos à solta”, idem, n.º 316, 13.01.1917, p. 2.
(20) Manuel dos Santos Pato, “Carta da Mamarrosa. Verdades amargas” ( 29.11.1915), Bairrada Livre, n.º 261, 01.01.1916, pp. 1-2.
(21) Manuel dos Santos Pato, “Carta da Mamarrosa”, Bairrada Livre, n.º 278, 29.04.1916, p. 2.
(22) Manuel dos Santos Pato, “Carta da Mamarrosa”, Bairrada Livre, n.º 280, 13.05.1916, p. 3.
(23) Bairrada Livre, n.º 346, 11.08.1917, p. 3.
(24) Gente Nova, Ano I, n.º 34, 31-01.1920.
(25) Alma Popular, n.º 41, 01.05.1920.
(26) Idem, n.º 42, 15.09.1920.


domingo, 2 de maio de 2010

DIA DA MÃE


POEMA À MÃE

No mais fundo de ti
Eu sei que te traí, mãe.

Tudo porque já não sou
O menino adormecido
No fundo dos teus olhos.

Tudo porque ignoras
Que há leitos onde o frio não se demora
E noites rumorosas de águas matinais.

Por isso, às vezes, as palavras que te digo
São duras, mãe,
E o nosso amor é infeliz.

Tudo porque perdi as rosas brancas
Que apertava junto ao coração
No retrato da moldura.

Se soubesses como ainda amo as rosas,
Talvez não enchesses as horas de pesadelos.

Mas tu esqueceste muita coisa;
Esqueceste que as minhas pernas cresceram,
Que todo o meu corpo cresceu,
E até o meu coração
Ficou enorme, mãe!

Olha - queres ouvir-me? -
Às vezes ainda sou o menino
Que adormeceu nos teus olhos;

Ainda aperto contra o coração
Rosas tão brancas
Como as que tens na moldura;

Ainda oiço a tua voz:
Era uma vez uma princesa
No meio do laranjal...

Mas - tu sabes - a noite é enorme,
E todo o meu corpo cresceu.
Eu saí da moldura,
Dei às aves os meus olhos a beber.

Não me esqueci de nada, mãe.
Guardo a tua voz dentro de mim.
E deixo as rosas.

Boa noite. Eu vou com as aves.

Eugénio de Andrade, Os Amantes sem Dinheiro

sábado, 1 de maio de 2010

[MOUVA - PUB] Este domingo, dia 2

CARDÁPIO:


Mercado de Objectos Usados

Artesanato

Ginástica

Comes & Bebes

Stand-up Comedy (c/ Pedro Neves - Levanta-te e Ri!)

Hora do Conto Infantil

Músicas do Mundo

Oficinas Verdes (Compostagem)


... na Praça de São Pedro, Palhaça, entre as 10h e as 17h.

domingo, 25 de abril de 2010

São cravos, são cravos...


























ABRIL, 25 [é só uma data redonda, mas não é só]:


ele há os festivaleiros do 25 de Abril,
ele há os que vivem a coisa muito calorosamente, como compreensível, porque foram perseguidos, controlados e emudecidos pelo antigo podre regime,
ele há os que ainda acreditam nos «amanhãs que cantam» e fecham os olhos aos regimes de Cuba e a Coreia do Norte,
ele há quem pense que o 25 de Abril é só uma festarola da esquerda,
ele há quem ache que podia haver muito mais democracia e não me atrevo a refutar,
ele há aqueles que foram maoistas, à data, e agora são da direita mais neoliberal e/ou conservadora possível (venha o diabo e escolha!) e têm «mixed-feelings» sobre esta data,
ele há quem só celebre o 25 de Novembro,
ele há quem não celebre mas respeite o simbolismo da data,
quem nem saiba o que foi ou passe indiferente à coisa,
e quem odeie de morte a democracia e que diga «naquele tempo é que era, precisamos é de um Salazar de novo».

para muitos jovens, o 25 de Abril é «old fashion», uma memória dos outros.

ele há quem diga que estamos mal, e estamos,
mas... esta gente toda desejaria, mesmo, mesmo, viver hoje, no 24 de Abril?
façamos o exercício de pensar nessa eventualidade...
poderíamos, mesmo mesmo mesmo, expressar abertamente tal pluralidade de gostos, indiferença, paixões e ódios sobre uma questão como estas?
não me parece. sem romantismos, euforias ou quimeras, sem vivência directa, mas herança...

Eles e elas há que... no plural... pluralizam as opiniões e as cores.

eu continuo a achar: OS CRAVOS, mesmo que os queiram murchar, SÃO SEMPRE MAIS BONITOS DO QUE AS FERRADURAS.


Joan Baez canta "Grândola, Vila Morena" (José Afonso)

quinta-feira, 15 de abril de 2010

O apoio social - de direito a privilégio?

Numa linha próxima do CDS, Pedro Passos Coelho, o futuro candidato a primeiro-ministro pelo PSD - que de social-democrata parece ter pouco mais do que uma abordagem desempoeirada em matéria de costumes - sugere uma coisa fantástica: aquilo a que chamou de «tributo solidário». No fundo, este dito «social-democrata» e «liberal» ao mesmo tempo, sugere pôr a fazer trabalho comunitário - gratuito! - quem recebe prestações sociais do Estado, isto é, quem estiver a receber subsídio de desemprego - depois de ter pago as prestações à Segurança Social para merecer tal - e o RSI, essa grande fortuna que enriquece os preguiçosos dos pobres dos pobres e indigentes, como adoram alguns generalizar.

Ora, o que está em causa: queremos ou não um Estado-Providência, sólido, como nos países escandinavos, ou um Estado que retira direitos aos mais destrotegidos socialmente, que põe as suas bases umas contra as outras? Como diz Daniel Oliveira na sua crónica no Expresso, queremos «os cidadãos convencidos que a culpa da sua miséria é do miserável que mora ao lado (...) e um dia destes, convencidos que culpa da sua miséria é deles próprios»?

Quantos desempregados não quererão trabalhar e receber um salário digno? Porque não sugere Passos Coelho uma fiscalização firme dos estágios ditos curriculares, não remunerados, ou do trabalho precário abusivo praticado em múltiplas empresas ou não critica o salário astronómico imoral de António Mexia, na EDP, extraído do Estado? Haverá de tudo, mas é leviano generalizar, dizer que o desempregado é um parasita que quer viver às custas do Estado. Dêem-lhes oportunidades de emprego, não trabalho comunitário à borla. Chamar preguiçoso é o caminho mais... preguiçoso ou cínico de encarar o problema?


Abaixo, segue um texto interessante sobre o assunto, assinado pelo jugular João Pinto e Castro.


VAMOS LÁ METER OS POBRES NA ORDEM

Após as guerras napoleónicas, o número de desempregados cresceu tanto em Inglaterra que, para diminuir as despesas suportadas pelas paróquias com o sustento dos pobres, estes passaram a ser obrigados a prestar serviço em casas de trabalho (workhouses).

Como, mesmo assim, um número crescente de indigentes recorresse às poor houses para obter meios de subsistência, as condições de vida e de trabalho foram deliberadamente tornadas tão cruéis e humilhantes quanto possível. O sistema só foi definitivamente abolido em 1948 pelo Governo Trabalhista, ao criar um sistema de Segurança Social.

O Dr. Passos Coelho parece ter em mente algo semelhante e igualmente motivado pela preocupação de obrigar os desempregados a assumirem uma atitude de maior responsabilidade quando vem propor que quem recebe prestações sociais seja obrigado a prestar trabalho gratuito ao serviço da comunidade.

Felizmente para ele, Passos Coelho nunca terá estado desempregado. Mas, se conhecer alguém que já se tenha encontrado nessas circunstâncias, poderá conhecer de viva voz as humilhações a que as pessoas presentemente são submetidas para conseguirem receber o competente subsídio.

A fraude combate-se com fiscalização, não com humilhação e trabalho escravo.

Se os sociais-democratas que acompanham o Dr. Passos Coelho apreciam as instituições britânicas, eu pedir-lhes-ia que procurem imitar as de hoje, não as do início do século XIX.