Bastas vezes, há já vários meses, vou ouvindo, sobretudo da coligação que governa o país, mas também de ilustres "fazedores de opinião" mui aperaltados, que Portugal não é a Grécia. A coisa [um soundbyte catita] até rendeu, inicialmente, umas manchetes giras, quando a ideia ainda não tinha sido repetida ad nauseam.
Talvez a coisa fosse revestida inicialmente de boa intenção, qual psicologia das massas, frase-colete, statement-protecção, mantra guardião da sanidade mental dos cidadãos portugueses. Do género "se repetirmos muitas vezes PORTUGAL NÃO É A GRÉCIA, talvez seja verdade, talvez o eco deste slogan nos dê força para descolarmos dessa associação e nos ajude a reerguermo-nos". E se repetissemos, vezes sem conta, "Nós somos a nova Noruega"? Que efeito teria?
Voltando à tal frase. Podemos até brincar e dizer que é uma "LaPalissada" afirmar coisas destas. De facto, não somos a Grécia, para o bem e para o mal, dentro e fora da krísis (palavra, na origem, muito grega, de facto). De facto, cada país, a sua sentença. Não há nações iguais. Adiante.
O que intriga é o modo como o caso da Grécia acaba por ser instrumentalizado e legitimado no/pelo discurso político. Afinal, até parece dar jeito haver uma Grécia, em piores condições do que Portugal, para poder-se comparar o mau com o menos mau, ou mesmo, do outro lado da barricada, dizer que a Grécia de hoje é o Portugal de um futuro relativamente próximo.
Deve fazer menos mal à moral de certos sectores, que vou ouvindo, saber que há um povo (supostamente) ainda mais "irresponsável" e "despesista" do que o português (os termos não são meus). Não sei o que isso tem de bom, na verdade. Nesse caso, parece que o princípio solidário da União Europeia poderá valer perto de zero. Afinal, este mantra sempre vai dando para desviar as atenções por algum tempo de certos tabus. Mas isto não é senão um estado de negação, uma forma de fuga?
Haverá alguma conveniência em que os media ocidentais se foquem mais na Grécia do que em Portugal? O New York Times já fotografou e mostrou o lado mais sombrio da nossa crise através de imagens e números no seu site.
A questão é: E se não houvesse uma Grécia, em piores condições do que Portugal, para comparar?
A questão é: E se não houvesse uma Grécia, em piores condições do que Portugal, para comparar?