domingo, 17 de fevereiro de 2013

Reorganização Administrativa Territorial Autárquica (ao contrário de Herculano)


Vale a pena ler o excelente texto publicado por Jorge Mendonça na página 3 do Jornal da Bairrada, edição  de 14.02.2013, o qual pode também ser consultado aqui.

Estamos perante um documento particularmente lúcido e oportuno, actual e com interesse geral. Porquê?  Porque mostra à evidência como se deve defender a coesão e o interesse do município no seu todo, no momento em que essa coesão é posta em causa pela famigerada agregação de freguesias. E também porque desconstrói, de forma inteligente, as estratégias que se tecem - sob a capa da solidariedade para com as freguesias agregdas contra sua vontade – para atingir fins que não são propriamente os do interesse do nosso concelho. Estratégias que acabam por carimbar, com a chancela municipal, decisões tomadas pelo poder central que ninguém de bom senso encomendara.

Veremos como vão acabar estes casamentos à força. Sim, à força, já que a vontade das comunidades locais pouco ou nada conta. Uma reforma construída à revelia dos eleitos locais e das populações dificilmente chega a bom porto. Basta recordar o que se passou no século passado com países também anexados à força, para perceber que esta história contém todos os ingredientes para não ter um final feliz.

Quando os três nubentes (Bustos, Mamarrosa e Troviscal) se tranformarem, enfim, num só ente,  como vai ser? Será que Bustos vai continuar a comemorar, com legítima pompa e circunstância, a data da elevação da freguesia à custa da desanexação da Mamarrosa, tendo-a agora de novo no seu seio, carne da mesma carne, sangue do seu sangue? Se o não fizer, será legitimo perguntar se não está a colocar em causa a sua anterior identidade, o passado de que tanto se orgulha. A casamenteira Unidade Técnica da Reorganização Administrativa, que trabalha a soldo da Assembleia da República, pode ter aberto aqui uma verdadeira caixa de Pandora. Esperemos para ver...

No exemplar debate cívico que alastrou a todas as freguesias do concelho de Oliveira do Bairro esteve sempre presente a preocupação com as consequências da perda dos serviços de proximidade e até das tradições e identidades de cada uma delas. Nenhuma freguesia queria ser agregada e estes eram, entre outros, alguns dos argumentos invocados. Por isso custa ver agora o silêncio a que se remetem os agentes políticos das freguesias que escaparam à coabitação forçada. Ora assobiam para o lado (do tipo: não é nada comigo, não é nada comigo), ora permanecem caladinhos que nem ratos. Onde está a solidariedade devida aos nossos vizinhos que não desistem de lutar? O que era mau para nós deixou de o ser para os outros, aqueles para quem a sorte (ou o calculismo político) foi madrasta?

Como as coisas estão, um dia destes, sem nos darmos conta, ainda voltamos ao tempo dos celebrados regedores de paróquia. Alguns paraninfos desta cada vez mais desacreditada democracia não desdenhariam disso. É bom lembrar que a retórica da crise não pode justificar tudo. Lamentavelmente, tudo está a ser feito ao contrário do que preconizava o indefectível liberal e municipalista que era Herculano: é o progresso das ideias que traz as reformas e não o progresso dos males públicos que as torna inevitáveis.

Aproxima-se a hora de votar para as autárquicas. É já em Outubro. O pior que nos pode acontecer é que elas se transformem numa armadilha para os incautos. A ver vamos se os eleitores são capazes de preservar os valores da dignidade e da decência. Se têm a coragem (não é preciso muita, o voto é secreto) de recusar propostas que os agridem e insultam a sua consciência de homens livres, ou se, ao invés, preferem premiar quem deveria merecer o repúdio generalizado.





terça-feira, 5 de fevereiro de 2013

Um adeus ao Kevin, mas não à juventude


Ainda consigo ver um sorriso tímido mas desarmante a bailar-te nos lábios. E apetece-me eternizar o instante. Era assim que aparecias cá por casa. Primeiro, acompanhado da tua Mãe. Mais tarde, já adolescente, algumas vezes sozinho.

Trazias na mão o inevitável frasquinho de compota – tantas vezes doce de uva – que a Graça preparava e de forma generosa distribuía - e ainda distribui - pelos outros. No regresso, levavas alguns livros de banda desenhada que eu comprava para o André. Naquele tempo, seguramente o Asterix e o Tintim. O Lucky Luke - o cowboy que dispara mais rápido que a própria sombra – os Dalton e alguns outros só apareceram por cá mais tarde. Lembras-te?

Digo-to agora, com um irremediável instante de atraso: sempre simpatizei muito contigo. E sinto o remorso do que ficou por dizer. Por isso não devias ter partido assim, Kevin. Se nenhuma idade é boa para morrer, a partida de alguém de quem se gosta é sempre uma tristeza. Com a tua idade, as circunstâncias em que partiste não deixam ninguém indiferente.

Não tive contigo as conversas, nem o convívio, nem sequer a cumplicidade que costumam forjar as grandes amizades. Sempre são quarenta anos de diferença a separar-nos!  Mas não era difícl perceber que eras um miúdo porreiro e sensível, e que assim terás continuado a ser até ao sombrio e fatídico domingo passado.

Bem sei que a vida é uma passagem e que ignoramos o que nos espera do lado de lá, ao qual tu já pertences.  Mas a notícia de uma morte inesperada é sempre um grande desconforto. Por isso a sensação de vazio e de ausência que agora começa é mais amarga e difícil de suportar.

Como aplacar este desgosto que morde como um cão danado? A melhor forma que encontrei foi reparti-lo, colar esta dor à dor dos que te querem bem: pais, familiares e amigos certos, todos os que te deram um cuidado sem descanso, uma atenção sem intervalos.  E eram tantos hoje à tarde, a desaguar em lágrimas num lago de ternura e comoção à solta.

Regressei a casa, depois do derradeiro adeus nesta tarde tão agreste. Continuo sem coração para ver enterrar os amigos, mas lá fui, a custo, como um náufrago à procura de um porto de abrigo. A emoção vai passar mas a tristeza perdura. O tempo suaviza-a, mas não a apaga.

Olha Kevin: os livros que leste, manuseaste e tocaste de perto, continuam no mesmo sítio. De algum modo são uma marca tua e te continuam. Sei que não há palavras para exprimir o indizível, mas o que pretendi aqui foi isso mesmo: ressuscitar-te um pouco, ao menos com palavras.

Fico com pena de não teres aparecido nos últimos tempos. Não duvido que tinhas coisas mais interessantes para fazer, reclamadas pelos teus fogosos e verdejantes vinte e um anos. Mas olha que tenho por aqui umas bandas desenhadas, à Milo Manara, que ias apreciar. Fica para um dia destes. Prometido.