terça-feira, 5 de fevereiro de 2013

Um adeus ao Kevin, mas não à juventude


Ainda consigo ver um sorriso tímido mas desarmante a bailar-te nos lábios. E apetece-me eternizar o instante. Era assim que aparecias cá por casa. Primeiro, acompanhado da tua Mãe. Mais tarde, já adolescente, algumas vezes sozinho.

Trazias na mão o inevitável frasquinho de compota – tantas vezes doce de uva – que a Graça preparava e de forma generosa distribuía - e ainda distribui - pelos outros. No regresso, levavas alguns livros de banda desenhada que eu comprava para o André. Naquele tempo, seguramente o Asterix e o Tintim. O Lucky Luke - o cowboy que dispara mais rápido que a própria sombra – os Dalton e alguns outros só apareceram por cá mais tarde. Lembras-te?

Digo-to agora, com um irremediável instante de atraso: sempre simpatizei muito contigo. E sinto o remorso do que ficou por dizer. Por isso não devias ter partido assim, Kevin. Se nenhuma idade é boa para morrer, a partida de alguém de quem se gosta é sempre uma tristeza. Com a tua idade, as circunstâncias em que partiste não deixam ninguém indiferente.

Não tive contigo as conversas, nem o convívio, nem sequer a cumplicidade que costumam forjar as grandes amizades. Sempre são quarenta anos de diferença a separar-nos!  Mas não era difícl perceber que eras um miúdo porreiro e sensível, e que assim terás continuado a ser até ao sombrio e fatídico domingo passado.

Bem sei que a vida é uma passagem e que ignoramos o que nos espera do lado de lá, ao qual tu já pertences.  Mas a notícia de uma morte inesperada é sempre um grande desconforto. Por isso a sensação de vazio e de ausência que agora começa é mais amarga e difícil de suportar.

Como aplacar este desgosto que morde como um cão danado? A melhor forma que encontrei foi reparti-lo, colar esta dor à dor dos que te querem bem: pais, familiares e amigos certos, todos os que te deram um cuidado sem descanso, uma atenção sem intervalos.  E eram tantos hoje à tarde, a desaguar em lágrimas num lago de ternura e comoção à solta.

Regressei a casa, depois do derradeiro adeus nesta tarde tão agreste. Continuo sem coração para ver enterrar os amigos, mas lá fui, a custo, como um náufrago à procura de um porto de abrigo. A emoção vai passar mas a tristeza perdura. O tempo suaviza-a, mas não a apaga.

Olha Kevin: os livros que leste, manuseaste e tocaste de perto, continuam no mesmo sítio. De algum modo são uma marca tua e te continuam. Sei que não há palavras para exprimir o indizível, mas o que pretendi aqui foi isso mesmo: ressuscitar-te um pouco, ao menos com palavras.

Fico com pena de não teres aparecido nos últimos tempos. Não duvido que tinhas coisas mais interessantes para fazer, reclamadas pelos teus fogosos e verdejantes vinte e um anos. Mas olha que tenho por aqui umas bandas desenhadas, à Milo Manara, que ias apreciar. Fica para um dia destes. Prometido.

2 comentários:

PC disse...

Belo texto, Carlos, mesmo sem querer ser belo! Temos as frágeis palavras para a ressuscitação possível... é o que temos, mas é milagroso.

Paulo Carvalho

Fátima disse...

Li agora o texto sobre o Kevin. Consegues transmitir, de uma forma bela, a dor que sentes. É bom ler-te!

Fátima