Do debate, hoje, no «Prós & Contras» ficam, entre outras:
Três questões:
Desde quando o alargar do acesso a um direito civil a mais cidadãos é roubá-lo a quem já o tem registado ou impô-lo a quem não quer dele usufruir?
Afinal, que temas devem ser ou não referendados e que temas devem ser votados na AR?
O conceito de família é simples, único, estanque, petrificado e eterno, ou complexo, plural, e em construção?
(Aos favoráveis ao referendo: com a possibilidade de o manifestar num programa eleitoral, de o debater publicamente ou influenciar o poder, porque não vieram à tona resultados práticos dessa militância antes das eleições?)
Uma perplexidade:
Afinal, fico a saber, pelo Ribeiro e Castro, que os afectos não entram na equação de um casamento. (Nos de conveniência, de facto, não)
Uma salva-de-palmas à diversidade:
Aos representantes das famílias - pais presentes - que mostraram que no seu conceito de família está subjacente o valor do respeito pelos filhos, independentemente da sua «orientação sexual», e da compreensão de que o casamento não é um privilégio ou uma impossibilidade, mas um direito
2 comentários:
Tiago: não é possível, num curto comentário, responder a tantas e tão complexas mas interessantes perguntas. Fico-me por algumas notas sobre o actual conceito de família. A diluição do laço biológico a favor do laço afectivo é uma evidência: a procura da felicidade é transversal a vários conceitos de família, nos quais emergem novos modelos e novos valores. O divórcio, por exemplo, gera recomposições familiares, novos papéis e novas regras. Nestes casos, acontece até muitas vezes que a rede de relações das crianças se alarga após a separação dos pais e isso pode ser fonte de grande enriquecimento afectivo. Muitas famílias recompostas vêem-se obrigadas a cuidar “dos meus, dos teus e dos nossos”, com tudo o que isso comporta de interacções comunicacionais e afectivas.
Significa isto que a família está em crise? Antes pelo contrário. O que me parece estar em crise é o modelo tradicional de família.
Carlos, não consigo afirmar que o modelo tradicional está em crise.
A minha impressão é que quem defende este modelo mais acerrimamente, em nome d' «A Instituição», parece não compreender que nenhum outro modelo veio para substituí-lo. Apenas coexiste. Qual é o drama? Ou a ameaça? A realidade é mais plural do que imaginávamos? É preferível deixar certas realidades no «underground», no piso -2, -3?
Estas outras «famílias» são apenas - há anos, décadas, séculos? - alternativas, que não são melhores ou piores por serem alternativas, mas que não se podem ignorar. São factos, pessoas, cidadãos, contribuintes do Estado, quer se goste ou não. É tempo de ignorar, combater, de «viver e deixar viver», de dialogar ou de perceber se não se está a fazer «uma tempestade num copo de água»?
A virtude ou a falha não me parece estar num modelo de família (num com elementos hetero, bi ou homo, ou no modelo monoparental, etc), mas em como é gerida a relação entre as pessoas que compõem um agregado familiar.
Porque não poderá uma mãe educar, sozinha (ou com outros familiares e a sociedade), com mais amor um filho do que um casal que humilha constantemente o/a filho/a, ou lhe bate, ou o/a expulsa de casa, porque, imagine-se, porque descobre que ele/a está apaixonado/a por uma pessoa do mesmo sexo?
Não há linearidade nesta questão, por mais alguém venha defender um modelo em detrimento de outro(s). As pessoas são, além dos modelos.
Falas de complexidade e eu vou tentar ilustrá-la, a partir de relatos lidos ou conhecidos.
Há casais que são fruto de uma qualquer conveniência. Casaram, sem impedimentos legais. Uma opção? Sim? Não?
Há casais - h, m - que não se suportam e mantém-se casados. Tem a opção de se manterem juntos, reconciliados ou não, ou de se divorciarem.
Há pessoas que se amam e vivem juntas há anos, e por opção, não se casam.
Foi possível, com esta defesa intrasigente de um modelo único e «correcto» (do inglês «straight»), e sob uma pesada homofobia social, que um homossexual e uma lésbica se tenham casado um dia. Podem ter sido muitos felizes juntos, terem tido filhos, inclusive. Ou até podem se ter sentido completamente «inadaptados», vivendo vergados aos gostos dos outros. Uma opção? Sim e não, conforme a época e a sociedade.
Há pessoas - homo - que não se querem casar e outras há que se amam e quererem casar, mas não têm essa opção, porque o Estado obstrui-lhes esse direito - discrimina, colocando em contradição a Constituição e Código Civil. Inclusive, se uma dessas pessoas quiser acompanhar o/a parceiro/a na hora do morte não é reconhecida como familiar. Não é isto injusto?
Reduzir o acesso ao casamento civil a uma questão sexual - ou de eventual prol - é um absurdo.
Quanto à adopção, porque há uma terceira pessoa em questão e uma parte da sociedade portuguesa (não toda, seja-se justo) a entrar em pânico, sensatamente é melhor abordá-la quando estiver assimilado culturalmente o alargamento da titularidade do casamento.
Num mundo ideal (ou não tão impossível assim), factores como a idoneidade, os afectos, a vontade e certas condições básicas dos adoptantes é que deviam pesar na selecção, e não a o. sexual ou o modelo de família... mas Portugal não é a Suécia, a Dinamarca, a Noruega, a Holanda, a Islândia, a Espanha, ou o Canadá, neste capítulo... Cada país tem o seu ritmo. Um dia, outras gerações acharão esta conversa completamente ridícula.
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