domingo, 2 de agosto de 2009

ACÍLIO GALA OU O RISCO DA PAIXÃO PERMANENTE

Quando, há quatro anos, Acílio Gala resolveu não se recandidatar ao cargo de Presidente da Câmara Municipal de Oliveira do Bairro, o gesto foi visto como atitude sábia de quem sente ser altura de fechar um ciclo. De alguém que sabe retirar-se a tempo e mostra suficiente desprendimento para dar lugar aos novos, por saber que a vida é metanóia.

Enganou-se quem pensou que o rasgão com a política seria definitivo. Dir-se-ia que a política, sentindo-se traída, o continuou a vigiar e a seduzir constantemente, tudo fazendo para o trazer de novo ao seu regaço. Bem cedo nos demos conta que Acílio Gala não se mostrou suficientemente astucioso para se separar dela. Abandonada a cadeira do poder, tornou-se rapidamente numa espécie de Ulisses ao contrário: libertou-se da Penélope que era a sua nova vida de aposentado, para se entregar outra vez, aparentemente ainda mais enfeitiçado, nos braços da sua antiga Circe política.

Foi vê-lo, então, a usar o enorme poder simbólico que dezasseis anos à frente do município inevitavelmente conferem. Umas vezes na imprensa, a demarcar o território, com textos acutilantes e corrosivos sobre a defesa do património municipal e o dever de preservar a memória, como aconteceu com a Cerâmica Rocha/Museu de Olaria e Grés, ou com as cartas abertas ao actual inquilino do município a propósito da demolição da antiga Casa da Câmara e da construção da Alameda; outras vezes marcando presença na primeira fila de alguns actos solenes, condicionando objectivamente o discurso político de Mário João Oliveira, que está longe de ser um mestre da oratória e de galvanizar auditórios. A um Presidente de Câmara não basta ser austero ou honesto, como é certamente o caso. Convém que saiba ouvir, mas sobretudo convencer.

O pouco tempo nas andanças da política ainda não permitiu a Mário João Oliveira adquirir algumas competências específicas que Pierre Bourdieu designa por “habitus”, um corpo de saberes, saber-ser e saber-fazer dos quais se destacam o domínio da gramática, da dialéctica e da oratória, instrumentos importantes na concorrência e na competição entre as várias forças políticas em confronto. Em política, passa ainda muito pelo verbo a mobilização de grupos e eleitores. A maior ou menor eficácia comunicacional pode motivar ou desmotivar, reforçar ou fragilizar, legitimar ou deslegitimar o discurso próprio em relação aos discursos alheios.

A velha raposa política que é Acílio Gala conhece tudo isso e não enjeitou as oportunidades que se lhe foram deparando, ao longo dos últimos quatro anos, para pôr a nu as evidentes fragilidades que nesta matéria dá mostras o seu principal adversário político. Mas não podemos deixar de perguntar: porque se meteu “nisto”, outra vez? Que faz correr um homem com um currículo profissional e político invejável, mas que já roçou o batente dos oitenta? Avança de novo por amar o concelho de Oliveira do Bairro acima de todas as coisas? Ou porque o exercício do poder ainda o fascina? Como forma de combater a solidão que um merecido repouso do guerreiro sempre provoca? Ou porque não há, no seu partido, quem o substitua com tão fortes probabilidades de êxito eleitoral?

A idade não constitui um óbice quando se mantém intocada a lucidez e a vivacidade intelectual. Churchil ou Adenauer aí estão para o demonstrar. Mas é irresistível não comparar o regresso à política de Acílio Gala com o de Mário Soares. A idade vai influenciar a escolha dos candidatos, ou o que vai prevalecer no acto de votar é a experiência adquirida, a herança legada, o prestígio entretanto acumulado? Acílio Gala é um homem de acção e de luta e o seu regresso à política não deixa de ser um acto de coragem. E um pauzinho na engrenagem do calculismo do jogo eleitoral dos seus adversários políticos.

O regresso do dinossauro excelentíssimo da nossa política concelhia veio baralhar os dados, abalar algumas certezas, condicionar discursos, ajustar estratégias, tornar tudo mais fluido e instável. No PSD, António Mota está de saída. Num momento destes, ver partir o mais tarimbado e experiente dos três vereadores social-democratas não deixa de ser um rombo na imagem, nas aspirações e na coesão de uma equipa que deseja renovar a confiança do eleitorado. Há quatro anos a vitória do PSD não foi folgada. Desta vez, tudo pode depender do resultado das eleições legislativas. Se o PSD as ganhar, acrescentando nova vitória à que obteve nas europeias, a dinâmica estará criada e o carisma de Acílio Gala não deverá ser suficiente para travar novo sucesso eleitoral do partido laranja.

Sejamos claros: a não ser que a campanha eleitoral para as autárquicas mostre o contrário, para o cidadão comum não parece ser muito diferente a visão política, social e económica que os dois principais candidatos exibem para o desenvolvimento do concelho. Será mais uma questão de estilo, uma diferente articulação formal do poder. O problema é que nestas coisas não é possível sentar dois homens na cadeira presidencial ao mesmo tempo. Alguém vai ter que ficar de fora, embora não haja drama nenhum nisso.

Se for Mário João Oliveira a sair, espera-o o regresso a tempo inteiro a uma actividade empresarial da qual nunca quis desligar-se enquanto Presidente de Câmara. Sintoma evidente que as musas da política não o seduzem assim tanto, ao ponto de abandonar tudo por elas.

Se for Acílio Gala a ficar de fora, será talvez o adeus definitivo à vida política activa. Como sucedeu a Coriolano na tragédia shakespeariana, o vencedor de tantas batalhas, às vezes acusado de arrogância pelos seus adversários políticos, poderá enfrentar a melancolia do homem só, um tanto desiludido por não ver novamente reconhecido o seu valor por uma população que o premiou com quatro maiorias consecutivas.

O jogo político concelhio passará então a jogar-se sem ele. Resta saber se vai jogar-se melhor depois dele.


1 comentário:

Anónimo disse...

O Dr Acilio Gala foi um dos melhores presidentes de camara do Distrito de Aveiro,deixou obra feita,e quando esteve no poder nao esteve ligado a interesses economicos como acontece hoje com o Presidente da Camara actua,o que e uma vergonha,A Camara hoje este ligada a grandes interesses economicos instalados no concelho.Tenho dito.