quinta-feira, 15 de abril de 2010

O apoio social - de direito a privilégio?

Numa linha próxima do CDS, Pedro Passos Coelho, o futuro candidato a primeiro-ministro pelo PSD - que de social-democrata parece ter pouco mais do que uma abordagem desempoeirada em matéria de costumes - sugere uma coisa fantástica: aquilo a que chamou de «tributo solidário». No fundo, este dito «social-democrata» e «liberal» ao mesmo tempo, sugere pôr a fazer trabalho comunitário - gratuito! - quem recebe prestações sociais do Estado, isto é, quem estiver a receber subsídio de desemprego - depois de ter pago as prestações à Segurança Social para merecer tal - e o RSI, essa grande fortuna que enriquece os preguiçosos dos pobres dos pobres e indigentes, como adoram alguns generalizar.

Ora, o que está em causa: queremos ou não um Estado-Providência, sólido, como nos países escandinavos, ou um Estado que retira direitos aos mais destrotegidos socialmente, que põe as suas bases umas contra as outras? Como diz Daniel Oliveira na sua crónica no Expresso, queremos «os cidadãos convencidos que a culpa da sua miséria é do miserável que mora ao lado (...) e um dia destes, convencidos que culpa da sua miséria é deles próprios»?

Quantos desempregados não quererão trabalhar e receber um salário digno? Porque não sugere Passos Coelho uma fiscalização firme dos estágios ditos curriculares, não remunerados, ou do trabalho precário abusivo praticado em múltiplas empresas ou não critica o salário astronómico imoral de António Mexia, na EDP, extraído do Estado? Haverá de tudo, mas é leviano generalizar, dizer que o desempregado é um parasita que quer viver às custas do Estado. Dêem-lhes oportunidades de emprego, não trabalho comunitário à borla. Chamar preguiçoso é o caminho mais... preguiçoso ou cínico de encarar o problema?


Abaixo, segue um texto interessante sobre o assunto, assinado pelo jugular João Pinto e Castro.


VAMOS LÁ METER OS POBRES NA ORDEM

Após as guerras napoleónicas, o número de desempregados cresceu tanto em Inglaterra que, para diminuir as despesas suportadas pelas paróquias com o sustento dos pobres, estes passaram a ser obrigados a prestar serviço em casas de trabalho (workhouses).

Como, mesmo assim, um número crescente de indigentes recorresse às poor houses para obter meios de subsistência, as condições de vida e de trabalho foram deliberadamente tornadas tão cruéis e humilhantes quanto possível. O sistema só foi definitivamente abolido em 1948 pelo Governo Trabalhista, ao criar um sistema de Segurança Social.

O Dr. Passos Coelho parece ter em mente algo semelhante e igualmente motivado pela preocupação de obrigar os desempregados a assumirem uma atitude de maior responsabilidade quando vem propor que quem recebe prestações sociais seja obrigado a prestar trabalho gratuito ao serviço da comunidade.

Felizmente para ele, Passos Coelho nunca terá estado desempregado. Mas, se conhecer alguém que já se tenha encontrado nessas circunstâncias, poderá conhecer de viva voz as humilhações a que as pessoas presentemente são submetidas para conseguirem receber o competente subsídio.

A fraude combate-se com fiscalização, não com humilhação e trabalho escravo.

Se os sociais-democratas que acompanham o Dr. Passos Coelho apreciam as instituições britânicas, eu pedir-lhes-ia que procurem imitar as de hoje, não as do início do século XIX.

2 comentários:

Sérgio Pelicano disse...

Tiago,
Permite-me não concordar com essa tua apreciação e melhor do que qualquer justificação que te possa dar é apresentar-te aqui o texto publicado por Vasco Campilho.

"Faz todo o sentido este tributo social, desde logo pelo seu aspecto de justiça simbólica. O simbolismo desta medida diz pouco a quem, como eu, aufere um rendimento acima da média nacional e se ofusca prioritariamente com prémios de gestão milionários a que falta a verosimilhança do mérito. Mas diz muito a quem trabalha de Sol a Sol a esfregar escadas, e vê vizinhos seus a viver uma vida de ócio ou de marginalidade, e a receber do Estado o mesmo ou mais. Esses trabalhadores também merecem ter a confirmação de que não se enganaram ao escolher uma vida de trabalho. E se as vicissitudes do desemprego e da (maior) pobreza os atingirem, não serão por certo as horas de tributo solidário que os afligirão.
Já a quem não escolheu uma vida de trabalho, e se tornou num profissional da maximização da assistência pública, esta medida aflige muito mais do que mil discursos sobre "mais fiscalização". Na realidade, para quem acumula subsídios com actividades não-declaradas ou ilegais, não podia haver pior notícia do que ter de dedicar algumas horas a trabalho solidário. Para muitos poderá mesmo valer a pena desistir do subsídio para se poderem continuar a dedicar ao ofício que com ele acumulavam. O que se deverá traduzir numa redução da fraude sem aumento dos custos da fiscalização. E isso faz todo o sentido."
in: http://aeiou.expresso.pt/tributo-social-contra-a-fraude-a-assistencia-publica=f576226

TPC disse...

Obrigado pela resposta, Sérgio. É saudável ler contraditórios e perspectivas diferentes por aqui. Terei as minhas dúvidas se o Vasco Campilho ficasse no desemprego, por algum motivo, cedesse a fazer trabalho comunitário. As diferentes circunstâncias que nos assolam, por vezes, levam-nos a pensar de modos diferentes.

Antes de mais, suponho que concordamos num ponto: a subsídiodependência arrastada e crónica - por mais do que 1 ou 2 anos - não é uma solução para o flagelo do desemprego; o ideal é estarmos todos, os que têm capacidade para tal, empregados em condições dignas, a receber um salário digno, e não a sermos explorados em trabalhos não remunerados ou num quadro supostamente mais seguro (números que não se vêem nas estatísticas).


Que tipo de trabalho comunitário pretende Passos Coelho? Afinal, como é que esse «tributo social» resolve o problema do desemprego? Transcende-me. Os ex-empregados que descontaram, enquanto trabalharam, para a Segurança Social não merecem subsídio de desemprego? Esse é um direito inalienável, que não se pode perder num Estado Social, senão passamos a ser outra coisa. À luz da social-democracia no sentido original (progressista, humanista e a favor do Estado-Providência) é fácil de entender este direito, bem como o RSI. Existe um mínimo de dignidade exigível num Estado de Direito. Quanto às fraudes (que não são a regra) no RSI, oiço sobretudo críticas ao povo «rom». Quantos lhe dão emprego em Portugal? O tema é complexo, mas há responsabilidades de ambas as partes.

Sinceramente, incomodam-me mais os parasitas do Estado que estão em cima, por vezes por razões partidárias, e, que por mais mérito que tenham (que eu valorizo o mérito), recebem salários sem sustentação possível. Algumas vezes são estas mesmas pessoas que tecem as mais duras críticas ao Estado Social.

Este tipo de trabalho comunitário não emprega e humilha, porque diz que todo o desempregado está assim porque quer (segundo Campilho). Ou vai haver uma selecção de quem está assim porque quer e se dá emprego aos que não querem estar no desemprego? Mantém, igualmente, o problema. Se me faltarem dados sobre como este tributo soluciona o problema, diz-me. Pode estar a escapar-me algo que não passou nos media e que se ouviu no Congresso.

Vasco Campilho não se consegue colocar na pele do desempregado que quer é trabalhar e ter rendimentos seus e independência, que acha o desemprego e o trabalho comunitário humilhantes - que tenta diariamente enviar CVs e não lhe dão oportunidades. É maniqueísta. Divide o mundo em dois, o Bem e o Mal: os que optam pela vida do trabalho e os outros, os que optam pelo ócio e pela marginalidade (é tão bom e tão prazenteiro estar desempregado!). Bela simplificação.

Este «tributo social» chama preguiçoso a todo o desempregado e não apresenta uma solução para o desemprego. Acho que está a generalizar - muitos casos de desemprego que conheço pouco têm a ver com essa fantástica imagem de ócio, a que ele se refere - e usa argumentos que facilmente poderão transferir votos do CDS para o PSD. É essa a ideia? Quero eu pensar que não estamos perante apenas uma estratégia político-partidária, mas de uma ideia genuína de «mudar Portugal».

Acho que a solução para as anomalias/fraudes que Campilho refere estará numa maior eficácia na fiscalização, quer dos eventuais falsos desempregados, quer dos falsos recibos verdes e dos estágios não remunerados e do trabalho escravo.

Tiago