Da professora Ana e do seu 2 cavalos a chegar ao largo das escolas, enquanto a Maria José nos empurrava para dentro da sala,
Dechegar à Palhaça, ao cair da noite, encolhida no único canto feito à medida da minha pessoa, numa Toyota amarela fatigada de tão carregada da viagem que nos trouxe definitivamente de Aljezur,
De sair da Palhaça numa madrugada límpida, de malas aviadas para Turim, e do soslaio para o Santo da Praça me ter dado um aceno, eu juro que o vi nessa manhã!
De ser dia de feira e uma série de feirantes utilizarem a retrete de casa da minha avó para aliviarem vontades,
De passar domingos sentada no parapeito da entrada da casa dos meus avós na praça de S. Pedro,
Dos cafés de domingo no Leitão, com mesa para 10 ou mais, do burburinho, dos planos para a tarde, das prendas surpresa de aniversário, dos segredos que todos ouviam e quase todos fingiam não saber,
Das procissões da festas, e de ano após ano, adiar a vontade de me vestir de anjo,
De um ataque de riso tão grande que me deu empoleirada num camião TIR a assistir, com o Salvador ao colo, a uma tourada recente, num dos festejos do padroeiro,
De ir com a minha avó Maria a casa do irmão dela, o Tatá, e de passar a boa meia hora a tremer dos pés á cabeça com medo da sua bengala, ou lá o que era aquilo. Muitos domingos tinham como ritual uma visita de bicicleta a casa dele para tornar o espaço menos sujo e de lhe levar algum agasalho
Das festas de verão e da minha avó a controlar-me na janela do 1º andar. De me encher de perguntas e de me explicar sempre, cuidadosamente, onde me deixava a chave. Como se naquela praça houvessem ladrões de casas velhas onde os bens eram fotos antigas, guardadas em caixas e uma televisão a preto e branco.
Dos passeios de bicicleta com as amigas, sem destino e com as sandes na mochila a tiracolo.
Das idas para a missa e dos regressos da catequese, sempre com ávidas discussões sobre todas as dúvidas existenciais que aos 15 anos vem com as borbulhas.
Do par de dias da Páscoa, um desfilar de modas e encontros que terminava quase sempre nos carrinhos de choque da feira de Março.
Dos Chupas da Ti Quitas e dos tremoços do Ti Remolo. De ser peixeira emprestada ao Cortejo dos Reis.
Da primeira edição do Boletim O CORETO e do prazer que foi andar de bicicleta, um sábado inteiro, a percorrer todas as ruas da freguesia falando com as pessoas.
Dos luares frequentes observados no Benavente, onde o céu é maior e as estrelas brilham sem obstáculos lá no alto da escuridão.
Lembro-me da primeira vez que se riram de mim a bandeiras despregadas na redacção da SIC, em Lisboa, quando alguém pergunta "Onde é que esteve o Paulo Portas ontem?" e alguém responde do outro lado "Na Palhaça.", perante o gozo da pergunta que se seguiu – "Mas quem é que é da Palhaça?". Levantei-me com o meu 1,53 e com toda a convicção do momento ousei quase gritar "SOU EU, E DAÍ?"
Dos ensaios das primeiras marchas da Palhaça. Da emoção de começar a avistar as parceiras de programa no encontro na Praça.
Das magnólias nos jardins, das salas que nunca vêem a luz do dia excepto na Páscoa, de janelas que nunca se abrem viradas à estrada, da fonte de S. Domingos sem cimento, da igreja de Vila Nova a cheirar a mofo.
Lembro-me de escorrer um rio de água pelas entranhas, de olhar para o coreto antes de voar direcção a Coimbra, e de ter enviado o recado mental ao meu Santo predilecto: "quando regressar trago um Salvador para te inventar nomes e prestar continência. Que ele possa ser feliz nas tuas redondezas."
Catarina Pereira (nascida 1979)
De ser dia de feira e uma série de feirantes utilizarem a retrete de casa da minha avó para aliviarem vontades,
De passar domingos sentada no parapeito da entrada da casa dos meus avós na praça de S. Pedro,
Dos cafés de domingo no Leitão, com mesa para 10 ou mais, do burburinho, dos planos para a tarde, das prendas surpresa de aniversário, dos segredos que todos ouviam e quase todos fingiam não saber,
Das procissões da festas, e de ano após ano, adiar a vontade de me vestir de anjo,
De um ataque de riso tão grande que me deu empoleirada num camião TIR a assistir, com o Salvador ao colo, a uma tourada recente, num dos festejos do padroeiro,
De ir com a minha avó Maria a casa do irmão dela, o Tatá, e de passar a boa meia hora a tremer dos pés á cabeça com medo da sua bengala, ou lá o que era aquilo. Muitos domingos tinham como ritual uma visita de bicicleta a casa dele para tornar o espaço menos sujo e de lhe levar algum agasalho
Das festas de verão e da minha avó a controlar-me na janela do 1º andar. De me encher de perguntas e de me explicar sempre, cuidadosamente, onde me deixava a chave. Como se naquela praça houvessem ladrões de casas velhas onde os bens eram fotos antigas, guardadas em caixas e uma televisão a preto e branco.
Dos passeios de bicicleta com as amigas, sem destino e com as sandes na mochila a tiracolo.
Das idas para a missa e dos regressos da catequese, sempre com ávidas discussões sobre todas as dúvidas existenciais que aos 15 anos vem com as borbulhas.
Do par de dias da Páscoa, um desfilar de modas e encontros que terminava quase sempre nos carrinhos de choque da feira de Março.
Dos Chupas da Ti Quitas e dos tremoços do Ti Remolo. De ser peixeira emprestada ao Cortejo dos Reis.
Da primeira edição do Boletim O CORETO e do prazer que foi andar de bicicleta, um sábado inteiro, a percorrer todas as ruas da freguesia falando com as pessoas.
Dos luares frequentes observados no Benavente, onde o céu é maior e as estrelas brilham sem obstáculos lá no alto da escuridão.
Lembro-me da primeira vez que se riram de mim a bandeiras despregadas na redacção da SIC, em Lisboa, quando alguém pergunta "Onde é que esteve o Paulo Portas ontem?" e alguém responde do outro lado "Na Palhaça.", perante o gozo da pergunta que se seguiu – "Mas quem é que é da Palhaça?". Levantei-me com o meu 1,53 e com toda a convicção do momento ousei quase gritar "SOU EU, E DAÍ?"
Dos ensaios das primeiras marchas da Palhaça. Da emoção de começar a avistar as parceiras de programa no encontro na Praça.
Das magnólias nos jardins, das salas que nunca vêem a luz do dia excepto na Páscoa, de janelas que nunca se abrem viradas à estrada, da fonte de S. Domingos sem cimento, da igreja de Vila Nova a cheirar a mofo.
Lembro-me de escorrer um rio de água pelas entranhas, de olhar para o coreto antes de voar direcção a Coimbra, e de ter enviado o recado mental ao meu Santo predilecto: "quando regressar trago um Salvador para te inventar nomes e prestar continência. Que ele possa ser feliz nas tuas redondezas."
Catarina Pereira (nascida 1979)
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