quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009

Do que também me lembro…















do pau de sebo nas festas do padroeiro
das corridas de cântaros nas mesmas festas
do ano em que Marco Paulo foi corrido à tomatada
do Tatá e do Fôdio, do Bento e do Fosquinhas
(estes últimos vindos das Quintãs, se não estou em erro)
do Ti Remolgo dos tremoços e do louco da comunhão
da estridente corneta metálica anunciando a sardinha e o chicharro
(chicharro a que chamávamos curiosamente «charro»),
de acorrer antes da mãe à mota do vendedor que vinha da Costa Nova
com as caixas do peixe atreladas na traseira
de levar a irmã mais nova à creche de bicicleta
de andar de bicicleta pelos campos com os amigos
de chamar «bicla» à bicicleta
de um roubo nocturno a uma certa vinha
das laranjas suspensas das árvores, brilhando
de tomar banho no Souto do Rio,
das pedras redondas do leito do rio
e das árvores frondosas das suas margens
de ir a pé para a escola
dos veios do soalho da sala de aulas e das carteiras verdes
das lutas com globos de plátano no largo da escola
dos longos Invernos e das enormes férias grandes
de gostar de apanhar chuva na cara enquanto vinha da escola
das aulas de solfejo no antigo edifício da Junta de Freguesia
das aulas de guitarra com o professor Mário Fontes no coreto
de cantar as músicas do grupo pop-rock O Coreto:
«Poluição, não, não, não» e «No meio do mar»
(esta, uma versão de um tema dos Status Quo)
da missa campal no cemitério em Dia de Todos os Santos
da solenidade proveniente do silêncio lacrimoso, das velas crepitando
e do céu de Novembro carregado de cinza
da visita nocturna às campas iluminadas
do tépido e envolvente odor a cera derretida e aos pavios afogados nela
das ruas pejadas de bosta
da estrumeira da casa do vizinho
do cheiro a urina que emanava de algumas camas,
quando acompanhava os meus pais na comunhão aos doentes
das retretes de madeira de alguns quintais,
da sua tampa redonda de madeira encaixada
e do odor único da merda nessas circunstâncias
dos cortejos de angariação de fundos para o Centro de Saúde
da vez em que a RTP veio à Palhaça cobrir um evento do género
(não me lembro de muito, mas sei que tinha um barrete de campino
por pertencer a um rancho folclórico improvisado, o do Areeiro)


















Paulo Carvalho (nascido em 1970)

1 comentário:

Pedro Carvalho disse...

Das individualidades acrescento o Zé Mota (que vivia com a minha "avó" Rosa) e o Sr. Gaspar que vivia na cabana na minha rua. Do fosquinas não me lembro. Os outros, claro!

Dos montes de estrume, como haveria de me esquecer, eram tantos na minha rua.

O Ti Remolgo, ainda viveu muitos anos. Deve ter sido das pessoas com mais longevidade da Palhaça.

Da RTP na Palhaça, acrescento a luta pelo o aterro e de uma reportagem do Cortejo dos Reis Magos em 88.