sábado, 28 de março de 2009

Aldeia (G)Local

Nos chamados «dias inúteis» da semana, deixo para leitura e/ou reflexão duas letras de canções de uma banda portuguesa de culto: os Mão Morta. Convido-vos a, com as palavras do Adolfo L. C., iniciar uma viagem por território semi-ficcional-semi-real sobre o «mundo profundo», que provavelmente conhecerão de perto.

«Conferência das Nações» e «Aldeia Global» - as letras em questão - integram um álbum conceptual, assumidamente inspirado no situacionismo (mais um «ismo» discutível), a meio caminho entre a vida real e a arte.

Em vésperas da muito aguardada reunião do G20, em tempo de pacotes multi-crise, aproveito as já velhas potenciais «novas tecnologias», para partilhar dois textos - actuais, ainda que sujeitos a críticas, editados em 1997 - sobre os prós e os contras das globalizações e sobre as reuniões megalómanas de megapoderosos para discutir algumas soluções para a saída do pessimismo generalizado em que as falhas na regulação económica e financeira mergulharam o globo. Será diferente desta vez? Sugiro que preparemos, entretanto, as nossas reuniões informais tamanho P, com os globos oculares despertos, para dar a volta por cima, também a nível local, deste sentimento de incerteza.


ALDEIA GLOBAL

anda eufórica toda a gente com a era da informação,
fechada em casa, ligada à rede ou grudada à televisão,
na vertigem das notícias em constante circulação,
sempre mais e mais depressa,
tornou-se a grande obsessão.

"é a aldeia global" - explicam num júbilo imbecil,
prontos a desfilar o rosário de maravilhas dos novos tempos,
sem discernirem que aldeia sempre foi o sinónimo de isolamento e conformismo,
de mesquinhez, aborrecimento e mexerico,
e que, de qualquer modo, o que verdadeiramente importa se mantém secreto.

do além-mar ou da máfia - julgam que tudo se pode saber econonomia ou política?
o difícil é o escolher crimes de sangue, relatos de amor são mais fáceis de perceber
"é a aldeia global" - explicam num júbilo imbecil, prontos a desfilar o rosário de últimos acontecimentos,
sem discernirem que, contrariamente ao mundo observado directamente,
em que a relação com o real é absoluta, estão a consumir meros resumos simplificados da realidade,
manipulados num fluxo de imagens de que são simples espectadores e
cuja escolha, cadência e direcção não controlam,
nem têm possibilidade de verificar a veracidade,
e em que, finalmente, no frenesim meticulosamente planeado de dados surpreendentes,
o que verdadeiramente importa se mantém secreto.
o que importa é saber onde raio se oculta o poder.



CONFERÊNCIA DAS NAÇÕES:

Terminou sem qualquer acordo a 23ª conferência das nações.

Reunida com o objectivo de discutir um limite para o número de vítimas de atentados causados pela concorrência empresarial, sobre a mesa estava uma proposta das organizações não governamentais para reduzir, até 2010, o número global de vítimas em 20%, menos um milhão do que as actualmenteverificadas.

A União dos Estados Avançados, responsável por mais de 50% dos números existentes, considerou a proposta irrealista, com consequências catastróficas para a economia da união economia mundial.

No que apelidou um gesto de boa vontade, a U.E.A. propôs um compasso de espera para a reconversão da indústria, através da manutenção do actual número de vítimas até 2010. A Comunidade de Estados concorda em reduzir o número de vítimas, mas defende uma calendarização diferente: propõe menos 5% até 2001, 10% até 2010 e 20% até 2015.

O escalonamento é justificado com os custos de adapatação que a redução implica. Por sua vez, a Federação dos Estados do Sul, defensora da redução global proposta, reivindica um aumento de 40% da sua quota de vítimas, de forma a atingir o nível da União dosEstados Avançados.

Face ao impasse das negociações foi marcada nova conferência das nações para 2001. Até lá, estima-se que o número de vítimas ultrapasse os seis milhões por ano.

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